Avançar para o conteúdo principal

Mensagens

Anda, caminha

Anda, vem comigo. Puxa brilho nas botas, e dá um passo. Um chega para nos pormos a caminho. Se aceitares esta proposta indecente, mas delicíosa, somos dois. Sendo dois convencemos muito melhor o terceiro, está em inferioridade numérica e vai vencer a inércia de espectador, vai querer juntar-se à maioria. Sendo três somos muitos, toda a gente nos vai acompanhar. Sem nos darmos conta, somos quatro e cinco e infinitos números e quantidades, uma multidão a caminhar, senhora de todos os pontos cardeais, com prazer e fidalguia. Não tenhas nem a menor nem a maior das dúvidas, os nossos passos fazem tremer o chão, e as cabeças. Não importa que as passadas sejam síncronas – pelo contrário, não queremos dessas – basta serem passadas na companhia de amigos, para se dar um belo de um passeio. E com certeza que chegaremos lá, ao fim de um dia bem caminhado e decisões tomadas no acordo de termos todos trocado impressões enquanto andávamos. Cansados, despedimo-nos bem dispostos e v

LIBERDADE, IGUALDADE, FRATERNIDADE, E UM QUEIJO!

Liberdade de expressão ou libertinagem na expressão. A primeira é uma atitude. Pede inteligência, gosta do caleidoscópio das ideias, respira diálogo. A segunda alimenta-se da crença desviada de que “liberdade, Igualdade, Fraternidade” são direitos adquiridos e universais, livre-trânsito para a violação do sensível. Um vale-tudo garantido, e só com uma via: a dos direitos adquiridos e sem deveres, porque um homem “livre, igual e fraterno” não se verga perante ninguém, muito menos às amarras do dever. O libertino é um ser voraz no consumo de si próprio e do que o rodeia: é um eucalipto. O problema está em que o homem que é um ser embrulhado por muitas camadas, apesar das invenções magníficas que consegue realizar, evoluiu pouco nos convívios sociais desde o dia em que deixou a caverna e começou a construir cidades. É um egocêntrico c om laivos de compaixão. Poder pensar tudo não é fazer tudo. Este é o síndrome do filho único (nem todos): está tudo a meus pés e

CARTA

Ninguém que se considere escreve cartas. É difícil, consomem tempo, a usufruir-se noutras correrias que não levam a nada. Escrever cartas é piegas. No intervalo da chegada de uma frase ao apeadeiro do seu fabricador e até ao apito de partida para a próxima, sentados na estação do entretanto, não resta outra ocupação ao operário senão pensar. Cansa, assusta e compromete. É uma actividade de risco mal remunerada. Quando se escreve, não se pode apagar, o que é um embaraço. Tenta-se histericamente ocultar o que se escreveu não se querendo escrever, mas fica sempre a marca probatória para os mais atentos – e há sempre uns chatos de uns atentos mortos por apanhar uma fraqueza nossa. Assim que escrita, a palavra esparrama-se no papel a apanhar sóis e bronzeados, e valendo pelo que diz, nas conjugações com a anterior e com a que se põe a seguir, marimba-se para as consequências de ter sido parida. Deixou de ser um problema seu. Escrever é uma matéria muito trabalhosa porque

EU SOU "BAGA"

Sabem o que é? uma cidade inteira de duas mil pessoas sem rosto nem identidade dizimadas por terroristas na quinta feira passada. Crianças feitas bomba pulverizadas em nome do nada, do zero absoluto, da total ausência de humanidade. Baga é na Nigéria, um sítio que não é sítio e totalmente desinteressante para nós, arautos da grande civilização ocidental, ocupados com os nossos pequenos dramas entre-portas. Só choramos e vamos aos funerais que estão à esquina da rua onde moramos.Os outros pouco nos tocam, são longe e mal frequentados... Sou Baga, sou Charlie, sou Maomé, sou Cristo, sou EU, ser individual que integra em si todas essas caras. Tenho o sonho mas não sei como o realizar de ver esses assassínos  alcançarem em vida a dimensão do Ser. Sei que é uma utopia e que haverá sempre uma quantidade indeterminada de seres tendencialmente bons e outra idêntica de seres tendencialmente maus, nos equilíbrios de leis que desconhecemos. Tenho no entanto esse sonho

PELA LIBERDADE

Um punhado de homens – doze, um número imenso – morreu pelas balas do mais hediondo dos inimigos: o ódio. Doze vidas cujas individualidades eram fundamentais no  bouquet  de sete mil milhões de cabeças que compõem a diversidade do universo que conhecemos. Flores insubstituíveis e de rara beleza, como quase todas são. Morreram de morte cruel – não há nenhuma que o não seja – pela arbitrariedade de animais sem alma, que nem sequer têm uma justificação para esse acto -impossível de ter quando se tira uma vida - movidos nas teias da loucura do vazio que os reveste. Amanhã o mundo continuará a ser admirável mas muito perigoso. Amanhã haverá novos sorrisos, e alegrias hão de brotar do coração dos homens, mas estes doze seres humanos vão fazer muita falta. Neste canto quase recôndito onde me pouso, saudo-vos, orgulhoso de partilhar convosco a aventura de pensar livremente. ATÉ AMANHÃ

O GRANDE SEQUESTRADOR

Pelo sopro que escapa na frincha de uma porta de uma cela, um indivíduo sequestrou um país, refém desavisado, pronto a morrer em vão – ou porque merece essa sorte – nas mãos de um grande manipulador. Vivemos o tempo do Homem -media que   alimenta o “homem-massa”(1),homem que “erra sem objectivos pela vida, livre de qualquer esforço intelectual, sem referências, verdades ou princípios orientadores. Sem orientação espiritual, e que se agarra às massas e deixa-se levar por elas”(1), só preocupado consigo e os seus ganhos de materialidade fácil. Os momentos efémeros de glória e posse (material) deste homem massificado afirmam-se na sorte de uma epifania a acontecer num centro comercial num dia com algum dinheiro no bolso, tudo se resume a isso e ao azedume persistente nos lábios. O homem-massa alimenta-se dos sensacionalismos, das banalidades, e de sonhar que um dia virá a conduzir fugazmente um   mercedes   branco. Este Homem- media   que agora se fala, é um prisioneiro

HISTÓRIA DE NATAL

Estava todo farruscas. O cão assustou-se claro – os pelos ficaram híspidos – e ladroou sem pedir autorização aos pulmões. - Sou eu farrusco – disse o ti Manel. O bicho reconheceu a voz do dono e acalmou o pranto. Quanto aos preparos em que este se apresentava não chegaria lá sem explicações mais convincentes. E ele era um canídeo inteligente. O estouvado do pastor – dera-lhe para ali – cobria-se com uma saca de serapilheira a fazer de casaca, cravejada a castanhas e nozes, com apontamentos de folhas vermelhas. Enfiada na cabeça, uma carapuça da mesma cor. Cada vez que ele meneava a cabeça, com um guizo a fazer de berloque no carapuço - a dar e dar - a barba, já de si branca, soltava uma espécie de poeira nívea. O sacana (cogitações do cão) tinha a cara e as mãos chamuscadas de preto. Preto? - Farrusco, estou de Pai Natal. O cão, que era o único indivíduo naquela casa que não se chegava ao bagaço, compreendeu o personagem que o dono estava a encarnar. Agora em preto, nu