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O HOMEM QUE QUERIA VER O MAR - O PRIMO JACQUES E O BAIRRO CHINÊS

  Um bairro de lata não tem planos de ordenamento camarários. É um não-sítio. Terra pária. Não tem ruas direitas projectadas a esquadria num gabinete; a luz é a do petróleo e nos casos mais extremos, a   do coto de vela; a água, a que se bebe nas fontes; o esgoto é a céu aberto,   projectam-se lixos pelas aberturas das janelas quase janelas, pelas portas quase portas, quase, porque para o serem completas, faltam as molduras de madeira, os vidros, uma fechadura e a chave das portas. No bairro da lata cada morador é o seu próprio arquitecto, um construtor civil. Mas também há entreajuda. Os pobres dão aos outros pobres o que lhes falta, dão. O bairro chinês está na periferia da cidade, oriental, igual a outros, sem predicados, só defeitos. Não havendo igreja edificada, uma taberna assinala o epicentro. Apresenta-se no ponto exactamente topográfico de intersecção das principais vias do bairro. Sinuosas e tortas, por sinal. Não há topógrafo nem agrimensor neste bairro,

O HOMEM QUE QUERIA VER O MAR - O HIDROAVIÃO DA PAN AM

     A ligação transatlântica América do Norte-Europa, quase à velocidade de um pestanejo. São tempos de guerra, a Companhia interrompeu a ligação para o Reino Unido. Decidiu-se por Lisboa, por ser neutra, de boas relações com todos, o novo ponto  de chegada ao velho continente. Desembarcados do hidroavião que amara no mar da palha, seguem depois para os seus destinos finais. Construiu-se um aeroporto na Portela, em terra firme, onde outros  aviões que não têm uma grande autonomia, transportam os passageiros das américas para as outras cidades europeias. No dia de Deus, dos grandes milagres, e de descanso dos mortais, dia preferido da semana, o grande avião amara no Tejo, e os basbaques , muitos, amontoam-se nas margens do rio para assistir de queixo caído, espantados, exactamente com a mesma reacção dos indígenas no dia longínquo em que homens brancos vindos em grandes naves marítimas, chegaram a praias desconhecidas para os conquistar. Pouco mudou nesse intervalo d

NOMES DAS COISAS E DOS AZUIS

Gosto de estar assim, deitado sobre a relva fresca e húmida, adivinhando os nomes dos azuis do céu. Às vezes invento-os. Se passa uma nuvem branca, distraio-me, o que descansa de estar sempre a querer inventar nomes. Mas mal ela passa e desaparece indo aos fazeres da sua vida, volto ao trabalho. É uma tarefa sem tréguas e ainda assim, nunca chegarei a adivinhar todos os azuis. O que, para o meu feitio seria importantíssimo, fundamental, dar nome a tudo o que vejo. Só  posso descansar, se garanti que estou em condições de cumprimentar adequadamente tudo o que vejo, porque sabendo os  nomes próprios, fico próximo e portanto à vontade. Quando estou deitado e a relva é fresca e húmida, também adormeço. Neste caso transfiro o trabalho de catalogação para a minha intimidade, sonho-o. É das mais recompensadoras actividades que conheço. Não a trocaria para ser analista de mercados, muito menos arregimentado numa colectividade bafienta. Prefiro os azuis.

O HOMEM QUE QUERIA VER O MAR - A CHEGADA

O dia que interessa, pode ser um Domingo. Um homem, humilde e pouco mais do que vestido com roupagem coçada, apeia-se na estação de comboios de Braço de Prata, na zona oriental da cidade. O povo está impedido de desembarcar na Estação Central, do Rossio, obra de arquitetura neogótica, uma maravilha aos olhos dos estrangeiros que por cá passam em negócio, visita ou espionagem. A burguesia de Coimbra, do Porto e locais mais esquecidos ainda, em visita, quando olham para ela, também gostam. Em rigor deve dizer-se que a fachada do edifico é em estilo neomanuelino e que sua estrutura metálica interior é que é neogótica. Construído em vários patamares, vindo o primeiro a abrir-se para a confluência do Largo do Rossio e os Restauradores, conta com uma ligação ao Hotel Palace , o hotel mais luxuoso da cidade. No interior da estação há habitações para os funcionários e uma ampla sala de espera, feita de propósito para suas Majestades reais repousarem antes de tomarem entedi

CASAS DOS LIVROS - JOÃO SOARES - PORTO