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TRADIÇÃO E CULTURA - FESTAS DE VERÃO

Nas ruas, grossas traves de madeira fazendo de muros, protegem as bestas das pessoas. Separam mirones dos “artistas”. Dá-se início à representação de um espectáculo antigo, um rito, uma tradição de cultura. Largam-se as bestas para gáudio do povo. São touros bravos. Esperam-se cornadas boas, piruetas e volteios, e sangue, o suficiente, o indispensável para colorir, e justificar, a tragicomédia que se representa todos anos. Festas religiosas estas, com procissão e velas e muita fé. As pessoas gostam de serem cilindradas! São às centenas os homens a correr à frente dos touros, uns a tentar escapar, outros a afrontar, a maioria só a ver. De ver se enche o olho e leva-se experiência para contar entre os amigos, inventando-se talvez alguma coragem, que não existiu, a não ser que seja coragem ter uma garrafa de cerveja na mão e estar encostado ao tal do muro, a ver quiçá já com os olhos enublados, a passagem dos cortejos. A largada vai terá o seu auge na praça de touros, de por

HISTÓRIA DE AMOR EM EL ROCIO

Podia ser agora, neste instante em que o digo. A definição cristalina da imagem, irrepreensível, focada, captação de todos os detalhes constituintes, pixels. O mais perfeitamente alguma vez feito e acabado rosto, jamais visto, uma só vez, visto. Paixão fulminante e efémera, tudo é. Cinco, dez minutos. Importa a intenção e qualidade. Tão bela, que a considerei a imagem canónica da beleza, sem recensão posterior. Passaram anos, esqueceu-se o rosto, depois de muitos. Veio à tona, borras do momento. À tona do magma amniótico onde borbulham restos dos pensamentos, fotogramas de vida, ideias preconcebidas, ideias concebidas em continuação. Essa mulher, que nunca me disse o nome próprio, porque nunca olhou para mim, Eu para ela intensamente. A saudade que me deu a revisitação, será do tempo - uma eternidade – que nos amamos, só a amando eu a ela, ou o sabor amargo que nessa altura, na Romaria de El Rocio, erámos imortais. Agora faz-nos fal

DIA FELIZ

A manhã fresca, aquecerá. O rio-mar. Salgado, mar bom. Quase silêncio. Gaivota, agudo som de uma gaivota, é silêncio, a voar. Uma mulher, um homem, um. Dançam imóveis, movendo-se. Encenação das mãos Mimam o ar. Dia feliz.

UMA CRIANÇA A CHORAR E UM TEXTO COM PALAVRINHAS INVENTADAS E FOFAS

Ver uma criança a chorar, totalmente frágil, desprotegida, agarrada a uma grade de metal, fechada num aquário todo ele em metal, remete toda e qualquer actualidade para coisa mínima, comezinha. Ficam poucochinhas as demagogias das políticas de saúde, as trapalhices gaguejantes na educação, a vergonha alheia de mal se vislumbrarem ministros que se escondem nos belos reposteiros damasco e outros, a ver se passam invisíveis das suas pequeninas-enormes imcompatibilidadezinhas. Até desapetece tirar selfies com o homem das selfies, quase tão ubíquo quanto o divino. Os futebóis são pustulazinhas infeciosas. Os fogos, oxalá sejam poucos e vá chovendo de vez em quando. Perante o choro de uma criança o mundo fica redundante e feio, e os monstros que nos governam ou são desleixados, ou usam botas com afiadas biqueiras de metal. Batem agora o pé e tudo estremece. Voltamos à era dos grandes medos e as televisões a darem enfadonhas e intermináveis horas de antena a imbe

LEMBRANÇAS

Cabidela de galinha do campo, língua de vitela estufada, sardinhas com salada de pimentos verdes. O problema está no escolher, apetece tudo. Vou para a língua, se estiver bem feita, é uma delícia. Hoje, um branco fresquinho. - Estava sentado, ali, naquela mesa do canto. - Frequento esta casa há muitos anos -o Senhor António, e o filho que se fez um homem e agora toma conta do negócio. Conhecem-me bem. - Vi-o e fiquei a pensar que nos conhecíamos. A sua cara não me é estranha. - A cabidela é uma especialidade, come-se bem aqui, e não é caro. Não me saía da cabeça que o conhecia. - Ah! Sim! - Daqui. Do bairr0 - Pois, como está o senhor? - Estávamos melhor há trinta anos, mas enfim. Cá estamos. - E isso é o que interessa. Continuarmos vivos. - Às vezes já nem sei. - Nem eu. É só medicamentos, e idas pelas receitas e análises disto e daquilo. O tempo que se perde! As artroses. - José Maria, muito prazer. - Joaquim Zimbro. - Desculpe, “Zimbr

SANTINHOS

Saem os santos à rua, e os homens, menos santos. Saem juntos sem diferenças, aperaltados e dançarinos e muito animados, fazem a folia. Cheiram os manjericos com quadras que rimam à força, lançam piropos às moças que não os repreendem por assédios, os santos não, que são santos. Está aberta a melhor época do ano. Uns descem a avenida, em coreografias simples que treinaram o ano todo. Levam madrinhas e padrinhos, uma excitação. É a sua noite de glória e o deleite da população expectante, a torcer pelo seu bairro. Ainda vai haver muita alegria, e muito choro. Os senhores de preto que agora estão disfarçados de cor, sentados na bancada das pessoas importantes, fingem que riem e batem palmas, não vendo a hora de saírem. Odeiam o cheiro da sardinha, mas disfarçam pelos votos. Uns, menos santos e mais homens, andam tresmalhados nos becos e nas vielas, onde mal conseguem andar milhares de pessoas e de gente, um mar imenso, petiscando sardinha, dando na febra, bebendo sangria b

PINTAR É ESCREVER COM OS OLHOS