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CELEBRAR A VIDA

Este sim, um festim.  Pela manhã, até ao limite de ser manhã, o dia que neste dia tem a tarefa de carregar o mundo para que todas as coisas sigam em frente,  ainda dá fortes indícios de pureza,  antes da poluição das futilidades nos dificultar a  a respiração e o desanuviamento.

LER, OBSERVAR E ALFACE

Num jardim, no meio da cidade, não propriamente o meio, mas dizendo dessa forma se somos levados a pensar com detalhe -   um preciosismo -, no jardim onde uma mulher lê livros e eu observo e denuncio, duas jovens quase obesas comem saladas. Elas são jovens para isso e não parecem gostar de ser, a menos que estejam a enganar. Essas saladas acondicionadas em contentores de plástico comprados no chinês, foram confecionadas pessoalmente, sendo fresquíssimas depois das alfaces terem vindo anteontem das Filipinas e o ananás ter estado em trânsito na Islândia depois de ter sido colhido há dez dias na Colômbia. Elas estão sentadas num parapeito e aparentemente satisfeitas, a contento da ordem pública, conceito que não existe em democracia. Cada um faz o que democraticamente quer sem ser multado. Quem acredita em teorias de conspiração, vê   esses filmes até em minudências, e diria que há uma conexão obvia entre as pessoas curiosas que estão em jardins ou noutros lugar

RALÉ

Não há poética em dizer isto: todos os homens são fundamentais ao andamento do mundo, menos a ralé, que são pústulas das sociedades, dejectos das classes, se ainda há isso. A ralé é a franja de gente periférica à existência humana, cada vez em maior número, que alimenta o extremismo, a ascenção com pés de lã dos totalitários. Sejam de que género e feitio forem: do futebol de praia aos bailes de debutantes nos salões do poder, a ralé está de novo a preencher os lugares vazios, multiplicando-se muito. As elites, alimentam as ralés, interessa-lhes, pois são os que estão disponíveis para abdicarem das ideologias, para não terem de pensar. São bem mandados a tudo o que fizer falta, por um simples mandar sem explicações. O seu reconhecimento é grupal, daí primitivo, por não se darem disponibilidade de se abrirem aos outros, diferentes. Recompensam-se no seu seio poluído, pelo número de feitos de malvadez praticados. Foi assim há setenta e nove anos. As elites

VÉUS*

Vestem escuro, vivem de negro. uma formalidade. Sorrindo e que alguém o possa vir a saber: que sorriram, porque não testemunham o sorriso. Um véu tapa-lhes essa possibilidade e o mundo, que queria tanto, nunca ajuizará a pureza desse rasgar genuíno de uma boca escondida. Praticamente só sobressaem os olhos, igualmente negros, grandes e muito redondos e perscrutadores, azeviche, pouco mais é dado a ver. O sinal de uma vida envolta dos pés à cabeça, em camadas de preto, por véus quasi-transparentes   que sobrepostos são opacos. E como só despontam os olhos, concentram neles toda a sua energia, a comunicação inteira de um corpo, que quer escapar mas não pode. Imagina-se que aquele corpo que se imagina, tem os seus ângulos, uma harmonia. Imagina-se também que tem recônditos abrigados, outros menos. Aos olhos exteriores do desconhecido que os observa, não têm forma, são voláteis. Corpos fantasmagóricos, espectros à luz do dia. Corpos escondidos, entaipados, recolhidos em

PENSAMENTO DA SEMANA

"O homem quer erguer ao mais alto o seu valor. E a forma mais eficaz para isso é a de se rebaixar. Porque quanto mais baixo ele estiver, maior a altura do seu Absoluto." Virgílio Ferreira - um escritor demasiado esauecido.

AZUL DE MAIO

Acordo e ausento-me de um sonho.   Desperto, vou continuar a olhar para o céu, que ainda falta azul para pintar uma das paredes de mim.

A ARTE DE ENCADERNAR

Uma história repetida vezes sem conta que parece o desfiar de um rosário. Veio para cidade, de uma aldeia perdida no nome e no conhecimento das pessoas, menos as poucas que lá viviam pobremente. Currelos, Viseu. Veio servir, mas não quis. Foi trabalhar aos doze anos para uma oficina em Campo de Ourique, a desmanchar livros, é assim que começa o ofício. Como era curiosa aprendeu a arte de encadernar. Aos dezassete anos comprou o negócio. Quinhentos escudos.  Viveu tempos difíceis, menos difíceis, são sempre difíceis. Agora que poucos apreciam os livros de os ler e de os afagar, porque vive de uma pensão de viuvez, trabalha a dias, e alguns desses dias, poucos e que deviam ser todos, ainda consegue exercer a sua arte, mas gostaria de o fazer a tempo inteiro, já não dá. Anos atrás, num dia em que provavelmente boleava um livro, entretida com os sons da radio, entrou-lhe porta adentro um senhor estrangeiro. Italiano e engenheiro de Cabora Bassa. Veio encomendar um liv