Avançar para o conteúdo principal

Mensagens

TODOS OS VERDES QUE EXISTEM - CRÓNICA DE SÃO MIGUEL

Um livro para uma viagem. Escolher. Da boa decisão depende muito o sucesso da viagem. Se o viajante vier a entediar-se, desligar-se por razões desconhecidas do sítio para onde foi, um livro bom é uma infusão de alheamento, uma substituição, resgate do tempo e do esforço despendidos para nada. Poesia, a companhia dos poetas. Dizem muito gastando poucas palavras. São a melhor das companhias, não passam o tempo a tagarelar, são contidos e suficientes, dão liberdade aos sentidos para serem genuínos na fruição de todos os detalhes. O resto do tempo é do silêncio precioso que nas vidas corrediças de hoje todos precisam. Um bem escasso. Os bons versos leem-se rapidamente e basta um segundo ou o que resta da vida de cada um para se remoer neles. Alguns versos exigem uma eternidade, que ninguém tem. Esses, devem-se para já guardar e levar depois, na última viagem, a derradeira. Há casos relatados em que os livros onde estão depositadas as palavras que o viajante t

DESCUIDADOS DE DEUS - PARA AUMENTAR A POLÉMICA, ENTRAM OS MACACOS

Enquanto o juiz se distraia no jardim com o cão da raça Airedale Terrier, apesar deste se chamar Emílio que não vem para o caso, não se sabe para onde foi Deus, o que não foi novidade. Ninguém o viu – a menos que disfarçado de homem – sair pelo seu pé do tribunal, assim e como pensando bem, ninguém o viu chegar.  Sendo segundo as suas palavras - que não se podem provar de terem sido ditas, por não haver registos sonoros do que se passa na sala -, um conceito, não ocupa espaço nem consome tempo, estando à vontade para ir para qualquer parte ou nenhuma que não só não se dá por isso e mesmo que se queira não se consegue encontrar uma pista sua,  ficando impossível para os homens encontrarem o que fisicamente não existe. É por Ele ser assim, uma ideia, que destrambelhados por o negarem ou por o confirmarem, ocuparam este tempo todo, que vai em milhares largos de anos, a fazer conjecturas,  teorizar, moldar figuras de barro, ciliciar os corpos até sangrar e sofrendo, matar o

NOTÍCIAS DA MINHA ALDEIA 29 MARÇO

Notícias da semana muito menos interessantes do que os ovinhos de Páscoa: 1.Afinal os Kamov não são os melhores e nem sequer vão estar prontos a tempo, mas mas quem leu os relatórios para o concurso público, ou não leu (ingénuo, eu!), ou não quis saber que havia outros muito melhores 2. o Primeiro Ministro não se demite se houver outra catástrofe neste verão. Já se calculava, e para o estar a dizer por antecipação, é porque acredita que há uma grande probabilidade dela vir a acontecer. 3. a Celtejo não vai pagar multa pela atrocidade ambiental que é protagonista no rio Tejo, mas vai ser reprimida por escrito. os CEO da Celtejo sabem ler? 4.Portugal, depois dos Estados da União Europeia expulsarem espiões russos e a Rússia estar-se nas tintas para isso, aguarda que a sua atitude de chamada de atenção diplomática à Rússia a ponha em sentido. Bem feito, é assim mesmo, é na coragem das decisões que se vê a fibra de um bom estadista. Neste caso são

SER FELIZ É FÁCIL

O dia luzente convidou-me a ser feliz. Aceitei. Não se recusa uma oferta honesta. Estava um dia lampejante, franco, Um sorriso prolongado de brilhos, Efeitos do sol, Dos que ficam por muito, muito tempo. Na memória. Era um dia lhano, confiável. O dia áureo, na intensidade e na cor da luz E também por ser valioso, Desafiou-me. Eu, que sou ha bitualmente preguiçoso por convicção, Deixei-me levar. Dar um passeio agradável e ainda ser feliz, Uma proposta indeclinável, mesmo para um preguiçoso, Descrente da possível impossibilidade de uma utopia. Afinal não. Acontece, aconteceu-me, naquele dia que bem recordo. Veio desenganado como todos os dias começam, com a continuação desequivocámo-nos de mãos dadas. E por aí andamos, vadiando em ser felizes. (A beleza que corta a respiração, é uma pintura do Senhor William Turner, cidadão que muito prezo)

DESCUIDADOS DE DEUS - CONSCIÊNCIA

O Juiz Presidente, chama-se António de primeiro nome, o que vale e é suficiente para se dirigir a um desconhecido e apresentar-se. Tem como profissão fazer uma imitação de Deus nos assuntos dos homens, juiz. Fora isso é uma pessoa com contas pagas, gastos contidos, poupanças, um metódico sem ambições. Tem dois filhos mais os problemas da adolescência, um cão e os problemas naturais dos cães (nomeadamente os pelos dos cães) e uma mulher que é professora de biologia numa escola secundária de periferia, fartíssima até à raiz dos cabelos de aturar os alunos, os currículos desfasados no século errado, e o vencimento congelado praticamente desde que iniciou a carreia. Nesse tempo, nos começos da vida adulta, estava cheia de boas intenções e era muito mais viçosa do que se encontra neste momento. É o desgaste do tempo. Quando no final do dia o juiz chega a casa, já estacionado mas ainda com a mão na chave do carro na ignição - a trabalhar - cai-lhe a razão em cima. Foi literalmente

FIM DE SEMANA

Alegrou a cara porque é sexta-feira. Serenou as sobrancelhas, grandes pantomineiras. Distendeu-se. Vai ao cinema, à sessão das sete horas. Gosta de filmes de época. Apesar dos comentários constantes dos chegados, preocupados com a sua ingenuidade, é uma romântica ingénua e quer continuar a ser. Escolhe o assento mais ao meio numa das filas da frente. Gosta de se sentir absorvida pelo ecrã, ela diminuta na imensidão da cena projectada. É uma inversão do real, sendo  este o filme e ela um acessório sem história. Este hábito, o da transferência, é muito importante para readquirir a sua liberdade, ao fim de   uma semana de trabalhos forçados. Nunca acreditou que se pode trabalhar por gosto e nunca foi adepta das teorias que dizem que se pode perfeitamente comprar o shampô, fazendo o que se gosta. São poucos e alguns mentem descaradamente. Limpa-se numa sessão de cinema, para o fim de semana. É a sua catarse. Depois disso tem pela frente uma noção de eternida

DESCUIDADOS DE DEUS - REVELAÇÃO PRIMEIRA

- Não vos fiz à minha imagem, porque eu não me vejo bem no espelho. Não quis repetir uma imperfeição, voltei atrás na decisão. Esta era uma revelação e tanto. Ele não se sente agradado com a sua imagem, tem problemas de autoestima e não quis que os homens padecessem da mesma doença. A fragilidade da aceitação de si próprios, nus, crus, despojados de esplendor perante a crueldade de   um simples espelho. Então, se Ele não é perfeito, como podemos nós ambicionar a uma imitação da perfeição? Será que a perfeição não existe, em ninguém? Em nada? É uma miragem no deserto? - O que acaba de dizer, é de uma grande gravidade. Diz o Presidente. - Têmo-lo na conta de ser o Criador, o Omnipotente, o melhor exemplo que nos vem constantemente à cabeça da melhor ideia que podemos fazer de um ser absolutamente completo em tudo. Um “vinte” em todas as disciplinas. Um motivo de admiração, pertencer à   nossa turma, temos o melhor aluno. - Afirmar perante este tribunal, que