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AINDA DA MULHER QUE LÊ UM LIVRO NO JARDIM

Afinal ama um homem, a mulher que lê livros sentada no jardim. Está como se sabe imersa na leitura e por uma razão qualquer de uma espécie de radar seu, deu conta da aproximação - para outra não poderia ser - não espera ninguém, não o espera e por isso surpreende-se . Receptáculos um do outro, recebem-se abraçando-se de uma forma profunda, demorada, os corpos a usufruírem de estarem assim, pegados, unos. No tempo do abraço, ela manteve o livro com a página marcada. Eram portanto três: dois amantes e um livro. Por este exemplo se vê o valor imaterial de um livro, que ela não abandonou no momento em que abraçou o homem que afinal ama. Fica na sua atitude, a gerar créditos, não foi um mecanismo involuntário, foi uma ordem lúcida daquele, do seu, cérebro, que tem consideração pelos livros. Sobre a forma e o estilo como eles se encontraram no jardim pode-se dizer que foi num prolongado abraço, de olhos fechados. O que pode não querer dizer nada, mas geralmente qu

TÉDIO

Sentou-se no banco do jardim a ensair o discurso de domingo e os pássaros entediaram

BENTA, UMA TERRORISTA ACIDENTAL

Como é de imaginar, o gabinete do chefe das secretas, o chefe mesmo, a quem chamam de Director, é o ambiente mais asséptico que existe em todos os ambientes-gabinetes públicos, todos mesmo, incluindo os blocos operatórios e os laboratórios sofisticados. Não é dos líquidos e dos pós, que esses também não se olha a despesa, é de ser um local onde não entra nem sai uma aragem que seja, muito menos uma palavra mal balbuciada, que escape aos trambolhões e venha a causar um tsunami seco. Há gente própria, apropriada dizendo assim, com cursos para isso, cuja carreira profissional é monitorizarem a tempo inteiro a salubridade, higiene e estanquicidade do gabinete do senhor Director das coisas secretas. Não se sabe se são felizes e realizados, cumprem essa função, vão para suas casas, têm ou não família, e hão de vociferar uma que outra vez em frente a um jogo de futebol. Do Director é que nada se sabe. Não é visto em lado nenhum. Ouvido ainda menos. Nada. Diz-se que é ubíq

CAUDILHOS CANOROS

Nesta coisa do dizer, anunciando pensamentos que com a melhor das intenções, consideramos a primeira vez de serem ditos, e que por isso virá uma medalha de glória dos deuses - coisa unicamente sua, um visto dourado, que não caduca - podíamos espantar-nos, se com alguma humildade, refreássemos a vontade de anunciar ao mundo, as afinações de bardos que julgamos ser. Sintonias, distonias, os agudos para um lado, os gravíssimos para outro. Versitos tão lindos a rimarem na perfeição. Uma confusão que soa bem, nas ofuscações da vaidade. A honestidade límpida do silêncio. O diamante de sabedoria, não há nada a dizer, quando não temos nada a dizer, e não o vemos.

ONTEM – FOLHETIM FINAL, OU QUASE.

E termina o dia. Quando as nuvens não criam véus e tapam a luz do sol que se despede das gentes deste lado, seja em que mês do ano for, é eminente a possibilidade de ao pousar os olhares no céu, se assistir a um magnífico espectáculo com os cenários que vestem a escapada temporária do astro rei para o lado oposto do mundo. A queda do pano é muitas vezes tão deslumbrante como foi a actuação em palco. É um caso raro em que um adereço se configura em protagonista principal. Mas há meses do ano, em que as cores do ocaso são diferentes, outras, difíceis de dizer em palavras, só vendo. Setembro e Outubro. São cores que nos impregnam com brilhos de uma certa nostalgia, estranha, não propriamente desconfortável – pelo contrário – um sentimento de leve tristeza feliz. O prenúncio dos tons escuros que se aproximam, a despedida da amarelenta, forte luz do Verão, nas melhores versões das iridescências, sentidas dessa forma nesse sentimento andrógino. Termina o dia no pátio e q

O PASSARINHO

Vi um passarinho morto, Num beiral de um passeio. Estava hirto, o passarinho, Mas era verde, e algumas asas, poucas, amarelas. Estava morto mas era bonito. O que não é normal dizer quando se está morto. Encontra-se de tudo nas ruas, E os passarinhos são vistosos voando ou não, Dependendo do apreço que temos pelo verde, as outras cores, e os sinais de vida verdadeira, ou de morte obrigatória.

PRAGA URBANA

Algumas árvores nas cidades estão sinalizadas. Algumas mas mesmo assim é pouco. Temos que desconfiar. Primeiro está a nossa segurança e a dos nossos. Mesmo sinalizadas, causam estragos, Beliscam a auto-estima dos autarcas e também matam pessoas. Estão identificadas com uma cruz, mas quem o fez não as abateu por ser tíbio. Devemos sempre desconfiar. E denunciar. Porque ainda há árvores na cidade não sinalizadas. Seria muito mais seguro se não houvesse árvores, Mas os autarcas são frouxos e as pessoas têm um carácter débil e fraquejam. Têm pena, Até das inúteis das árvores