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MANUAL DOS SOLITÁRIOS

I -  Anda Farrusco, vamos acordar as ovelhas . O cão, enorme, abentesma naquela quase escuridão,  do tamanho de um homem bem medido, nem se mexeu. Ou antes, entreabriu o olho direito, o que estava mais próximo do dono e olhou-o desinteressantemente. Voltou à posição de estátua marmórea. A modorra das cinzas ainda quentes, espalhadas na lareira, a parecerem larvas incandescentes de um vulcão apagado – que faz as funções de fogão – meio mortiças, aqueciam sofrívelmente o casebre construído de pedra granítica daqueles lugares. Ficar por ali o mais que pudesse, era intenção do animal. Todos os dias pensava nisto, e nunca se realizava essa ambição. Um cão pastor não tem domingos nem folgas. Uma enxerga, que com muito boa vontade poderá imaginar-se cama, uma mesa bamba, um par de cadeiras, um escano junto ao lugar do fogo e um pouco mais de nadas, são os adereços de cena. Não há candeeiros, só lâmpadas cheias, envoltas de pó, às camadas, tantas que fazem de

PREGUIÇA

A preguiça é um bálsamo ou um impedimento. Normalmente os preguiçosos dão-se bem sozinhos. Quando se juntam e dependendo do tamanho em número do agrupamento, podem causar grandes estragos. Há, imagine-se, países só de preguiçosos, continentes mais afeitos à preguiça do que outros. Não se podem enumerar para não causar incidentes diplomáticos, até porque há alguns que o sendo, não dão ao conhecimento, o que deixa os seus vizinhos na dúvida, e deixam passar. Esses países - como os preguiçosos em nome individual - aceitam bem as esmolas, precisam delas, e os dadores têm-nos assim na mão, o que explica a lei universal do equilíbrio de todas as coisas existentes: um dá, outro recebe, e  reina a harmonia. Ela é um bálsamo porque desresponsabiliza o seu utilizador: não poderá ser achacado de nada, nenhuma acção, boa ou má, conseguida, não conseguida, já que se encontra em inação propositada desde pequeno ou desde que decidiu ser assim. Este tipo de preguiçosos – os ba

APANHAR SOL

O senhor M não é taciturno, aprecia o sol. Em dias que são decisão sua, reunidas as condições, intrinsecamente pessoais, estende-se numa cadeira de lona, e lê livros. Com ou sem manta. O tempo que for preciso, seu. Os dois: a cadeira fidelíssima (há cadeiras cujo elogio de serem fiéis é mais do que merecido) e ele, gozando do privilégio da imobilidade consciente, estacionam-se na varanda para usufruírem desempoeiradamente o privilégio de uma vista escandalosa da cidade. Escandalosa é demais, mas tem que se dizer assim para captar. Em dias luminosos e limpos, esticado como múmia em estado vivo (para se ter uma ideia aproximada, não da sua situação futuramente definitiva, mas dos preparos em que se põe no presente), jaz irrepreensivelmente hirto na cadeira estilo colonial, e lê. Lê descomplicadamente. O sol de dias assim, ocupa-lhe por inteiro a cabeça, muito intenso. De tal forma, que se torna difícil tomar atenção, lê temas ligeiros. Se o sol bate de chapa, não