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Mensagens

As coisas

As coisas acontecem assim, do nada, ao nada voltam quando se esquecem. É a sua convicção, ou crença: o poder reparador do tempo, fazendo a cosmética do sorriso, depois dos sobressaltos da vida, na expectativa de uma acalmia nas etapas finais do seu passeio existencial.

SITE SPECIFIC - CABINET DES CURIOSITÉS - O LIVRO

“O Site Specific Cabinet des curiosités, exposição dos esquecimentos, nasceu da necessidade de revisitar o meu trabalho de pintor.” Paulo Robalo O resultado da exposição na loja da rua da Atalaia do João Cale é agora compilado num livro com fotografias de Cláudia Teixeira, crónicas de Luís Robalo e a pintura de Paulo Robalo. Este livro de autor é a primeira aventura editorial do Passevite. Vamos editar 100 exemplares numerados e assinados pelo autor com 72 páginas e capa dura no formato A5. Os 10 primeiros exemplares vão ser vendidos acompanhados por uma impressão única em papel fotográfico e assinados no formato 20X30 cm.  O preço de venda de cada exemplar é de 20 euros e os 10 primeiros exemplares + 1 fotografia é de 60 euros cada. Estamos nesta fase a fazer pré-venda dos exemplares. Características da edição Edição: 100 exemplares Edição especial: 10 primeiros números + 1 fotografia Nº de páginas: 72 + Capa dura Papel: couché mate de 150grs Im

HOJE SENTOU-SE NO JARDIM E NÃO LEU

A mulher que lê livros no beiral que dá para o jardim, que tem um amante que já a visitou sem avisar, abraçando-a demoradamente, trocou hoje os dois por um telemóvel - parece ser, ao longe. Ainda assim, mantém o mesmo ar compenetrado e está sentada da mesma maneira: perna esguia, interessante, cruzada sobre a outra, escondida. De lado, com uma inclinação que mal se adivinha, colocando todo o ênfase do corpo no objecto da sua atenção, a precipitar-se sobre ele, exactamente do mesmo modo que faz quando tem um livro na mão. Talvez não se possa fazer uma relação directa, pode ser um mal-entendido, mas hoje, cruzaram o jardim mais homens jovens, de fato riscado e gravata de Ministério do que é habitual. Este tipo de cidadãos, não cruzam jardins, circundam-nos, daí a estranheza e a justificação para o relato do acontecimento.  O pequeno parque publico estava mais desagradável, uma aragem fresca que as pessoas já se tinham esquecido, sombras mais fortes, um desconforto outona

SENHOR, SÃO PARÁBOLAS

O Senhor H abandonou a ideia da morte, por resolução própria e sem intervenção nem pedido externo, no dia que compreendeu que o seu pensamento andava a ser intoxicado por essa recorrência mas o culpado era outro. Andava nisto há mais de vinte anos, sempre vestido de azedume, cor de breu petróleo. Fervilhante com a sua ideia na cabeça, terá mesmo pensado em cometer suicídio. Outras vezes, quando a crise agudizava, pensou em orquestrar um massacre colectivo, o que seria uma vingança apoteótica contra a frieza da sociedade, cuja artificialidade leva as pessoas ao engano: todos condenados à solidão, convencidos que andam acompanhados. O Senhor H era um pessimista, mas tinha que ser alguma coisa, e escolheu essa. Deu-lhe pela primeira vez o medo da morte, num dia que era noite, quando estava a dormir. Veio com o sonho, que é onde se geram todas as inevitabilidades excêntricas. Umas esfumam-se em nadas, outras acabam por se concretizar. Aconteceu-lhe esta desgraça

ADAPTAÇÃO DAS ESPÉCIES

Era uma viela resiliente.Pode-se afirmar dessa forma a capacidade vácua de um não-ser, ter uma característica só dos seres que são? Um calejo. As outras, vizinhas suas, foram evoluindo, devagar e ponderadamente, até serem ruas:  assim crescem as povoações. Esta deixou-se ficar como sempre foi: quase um impasse a acabar num eucaliptal cerrado. deu-lhe o mal da perguiça. Tendo só dois transeuntes ocasionais, não teve necessidade de se expandir. Sabemos então que viviam duas pessoas nesse quelho, desde que ambos se conheciam: a viela e as pessoas. Foram mesmo estas que a aplainaram, depois com gravilha,para usufruirem de um acesso livre de sua casa até ao arvoredo saudável, um tipo de jardim privado – dizem que fumigações com folhas de eucalipto são boas para as vias respiratórias - numa aldeia no campo. As pessoas fizeram as suas vidas - boas ou más não interessa -  e ultimamente porque já tomavam comprimidos demais e as energias eram escassas, não aguentaram o suf

PIANISTA

O pianista que toca piano no grande, alto, branco, frio, barulhento, hall do hotel, toca piano inutilmente. Toca e mal se ouve, não se ouve. Passa gente constantemente, com pressa para entrar, ou sair, para um lado e outro, um qualquer, não interessa, muitos, apressados e faladores. A porta é giratória pelo que gira, estonteantemente. O tráfego nos elevadores é um piscar de luzes e portas a abrirem e fecharem. Acumulam-se malas, umas melhores. Em condições normais o pianista não precisaria de  tocar piano só para si. Teria audiência. Toca, mas o automático movimento dos seus dedos mesmo que premindo teclas inexistentes no ar, em que local seja, seria suficiente para ele ouvir música, que lhe vem de dentro. O homem que é pianista e tem um fato decente escuro e gravata formal, tudo isto inutilmente, está ali, porque o valor do gás, da electicidade,  da água cada vez mais proibitiva, não lhe dá tréguas. Por esses motivos fortes, invisível aos olhos dos outros, t

DUAS DIMENSÕES DE UM SER

S ão as memórias que enturvam, Sou eu. Cataratas. Fotografia estereoscópica, Uma modernidade. Coloco esses óculos e vejo duas dimensões, de um antes que era só uma. Mesmo assim estão distantes. Fotografias de fantasmas. É a solidão: Ter uns óculos ridículos, não dar conta de estar ridículo, não colar nomes aos rostos que passam nessas imagens. Duas, sobrepostas, estereoscópicas. Modernidade. Velho, estereoscopicamente abatido.