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A LUZ DO VERÅO

Luz parda, Densa, Partículas flutuam no ar. Desfocam - não totalmente -  Os contornos precisos,sérios De objectos e seres. Parece um sonho, Uma meta-realidade. O que são os sonhos. Os dias que se assumem assim, Que provocam arrebatamentos de bem-estar São os melhores dias do verão. Opacos, amarelados, quentes, fora do tempo, De nós, Somos nós.

MAR PÚRPURA

Também é azul. Todos sabem que o mar é bonito, excepto a quem o mar rouba uma vida, que também o sabe bonito mas já não o diz mais. Nas condições exíguas que me vejo na relação com as cores, sem ter nada a justificar, digo que é púrpura. Não há notícia de que alguma vez o tenha sido. Como é das cores, uma das que tenho em maior estima, dizendo que o vejo púrpura, exponho os meus sentimentos mais genuínos, elogiando-o com o que melhor tenho: a cor púrpura. Aceitem-me que o mar seja púrpura. A minha pequena filha pequena, não percebendo nada de cores na perspectiva de indivíduos embirrentos que não saem da sua - ela ainda não é isso, só é pequena - como tem um bom gosto indiscutível, acha convictamente que é cor-de-rosa. Pode bem ser. Já dei por mim a considerar o mar como sendo abusivamente rosa. Acima de tudo porque a amo perdidamente, e não a quero contrariar. Depois porque rosa é uma cor que combina bem com o mar.

AGARRAR O FUTURO

Ainda hesitante. Por aqui, por ali, todos os lados, nenhum. As vezes, um arrepio, Medo. Dura pouco. Nenhum, todos. Na insegurança das escolhas, Não o confessando, Está um desafio irrecusável: O desconhecido. Assim se faz, Na decisão indecisa, Disfarçando ter tudo controlado. Avançando, sem olhar para o rasto.

A JUSTA MEDIDA

Na medida exacta, da medida justa, que só paira nas mentes ingénuas, a ajuda solidária de alguns portugueses (portugueses ingénuos) às vitimas dos incêndios de Pedrogão, chegará ao destino um destes dias. Um dia destes. Um dia. Chegará. Nenhum dia. Podia ter chegado, quase lá. Não chegou. Já me esqueci desse evento. A ajuda honestamente desembolsada, nossa, chegará após trinta requerimentos, simples de preencher, a atestar que o joaquim ficou sem galinhas, a Maria sem couves, o José sem alfaias, a Joaquina sem marido, o José sem mulher, os nossos filhos sem os nossos filhos. Os serviços, desconfiam do correcto preenchimentos dos formulários: as pessoas estão a aproveitar-se da situação (como alguns do rendimento de inserção de não se sabe o quê). Os políticos altamente qualificados que ocupam temporariamente os gabinetes com melhor vista das secretarias e sub-secretarias, das direcções e sub-direcções, informam os seus dirigentes para aguentarem a situação.

A FALTA

Faltas a fazer um teatro, naquele dia, para nós. Não estava à espera, E afinal não há um dia que não aconteça. No que foram tantos sobressaltos, Afastamentos, Silêncios impostos dos dois lados, Cansados um do outro. Agora falta tudo, todos os dias. Cheiro, voz, gestos teatrais, Exuberâncias, excessos. O faltares assim que não se imaginava, arde. Falta um “Nós” que se foi contigo, Apesar de dar comigo a dar contigo a sorrir, Inesperadamente, a qualquer momento, Quando me vem precisamente à cabeça Que me faltas tanto. Porque foste egoísta e morreste? No entanto sorrio das tuas macaquices, e já passou.

EGÍPCIA

Tens o perfil de uma rainha do Egipto clássico, uma efígie esculpida num muro cor ocre da cor que tem a terra desses lugares. É imponente dizê-lo, a melhor aproximação aos outros da tua beleza, a que os meus olhos veem. Ao dizer que tens um perfil egípcio, remato a questão e posso continuar a viver, honesto, porque soube descrever: o contorno da fronte, do nariz, da boca, de um queixo delicado com ângulos pronunciados. Do resto nada sei, ficámos anónimos desconhecidos por decisão mútua. E o intervalo em que te vi a olhar para a montra, Cruzarmo-nos, olhar uma vez mais para trás, e continuar, foi o tempo de achar que tinhas uma efígie egípcia.

O MEU PEQUENO MUNDO

No miradouro do castelo de são Jorge, não vislumbro todo o mundo, avisto o meu mundo todo. Há dias que me emociono de o ver, estendido, assim, perante mim. Outros em que o repudio, com essa ideia que agora tem de se deixar levar por uma certa lassidão. Arranja-se demasiado para os outros, desarranja-se-me. Gostava de o ver simples, sem a cara esborratada de batons exuberantes, como era. Não preciso de grandes mundos, para ser do mundo. Prefiro-o pequeno e maneiro. Na dimensão de o poder agarrar, ou assim julgo, quando encostado ao beiral do miradouro, estico os meus braços e toda a sua extensão até à ponta dos dedos. E, fechando os olhos depois de o ter absorvido, o mundo, imagino-me num prolongado abraço, a apanhar com a posse toda de ser meu, o perímetro inteiro da cidade, a que eu chamo mundo.