Avançar para o conteúdo principal

Mensagens

UMA PALAVRA QUE SE USA POUCO

Mansamente, é meigo de dizer. Doce e pacífico. E quase inaudível: mansamente. Ninguém no seu juízo se incomoda que nos façamos anunciar nas suas vidas mansamente. Assim devia constar nos manuais sobre conduta. Um perigo escrever manuais de conduta. N o início, na verdadeira e irrepetível primeira vez de tudo, fazê-lo de mansinho, que pode ser dócil, ou sereno, ou puro, ou só e bastamente de mansinho . Se for assim, depois não haverá violência. Será sempre bom assim. E amor.

SORTE

Afastam o sol dos ombros, como a caspa, incomodados, presumidos, porque tudo é fácil, ao pegar da mão. Outros rangem no frio da sombra gélida, chafurdam na existência, não se aquecem convenientemente. São as ditaduras do acaso. A escolha é sempre injusta para quem é triste, ainda mais se for pela tirania das casualidades. Reclamar é um esbracejar inútil, não dá calor nas articulações. O tempo que se leva a recuperar da casa de partida, as vezes é nunca. Os que apanham os adiantados, chegam cansados e ficam-se aí, esbofados, mal tocam com a ponta dos dedos nas costas dos que vão à frente, estatelam as fuças no lajedo escorregadio.

ABRIL EXPECTATIVAS MIL

Temos Abril, um mês a que devemos tirar o chapéu, velhos e novos. Há uma lista de obrigações a cumprir e nem todos se lembram. Aqui vai: Receber condignamente a Primavera. Saudar as flores, os pássaros e a as abelhas, com entusiasmo. Ter fé que as condições melhorem para se ter um grande verão. Responso: Sejamos honestos, não temos cuidado dos meses passados como devíamos ter feito. Se as condições estão agora incertas e tremidas, a culpa foi nossa. No início, quando o tempo abriu, era o espanto, tudo era novo, as pessoas andavam atarantadas. Depois foi o tempo do gozo, de uma liberdade nunca antes experimentada, sem impedimentos nem prisões. Veio depois da festança o tempo para fazer, eram muitas as obras de renovação, trabalhos a pedirem maestria, o cabo deles, mas tinham que ser feitos. Alguns quiseram continuar em festa e descuraram. Outros abrandaram, acharam que tudo correria bem, só por si. Todos facilitaram. Depois os que tiveram estas t

O BEIJO

O rigor matemático que se exige num beijo para se atingir os mesmos níveis de emoção de um míssil que alcança a estratosfera enquanto o diabo esfrega um olho, obriga a capacidades diferenciadas: ser bom aluno das matemáticas dos beijos bem dados e aguentar sem falência cardíaca fulminante o impacto do amor, comparado com a projecção a uma velocidade vertiginosa de um projéctil na direcção desembestada do fim do mundo, nome que alguns damos ao infinito do espaço sideral. Reunidas as condições, um bom beijo é quase a melhor coisa do mundo. Um beijo para ti, outro.  Dá-me um tu.

GLADIADORES

Num relampejo, estaremos babosos e sôfregos a baixar os polegares, pedindo a morte dos gladiadores, em coliseus imensos com enormes ecrãs de plasma  espalhados por todos os ângulos, para vermos a morte com detalhe e conforto.

DA MORTE

A morte é o lado negro da vida e seja como for quando for, é horrível e não a queríamos nunca se se pudesse não querer. Mesmo construindo desculpas torneadas e rendilhadas e filosóficas, mesmo com folegos e promessas de imortalidade e paraísos esplêndidos, mesmo que se façam finas poesias com todas as métricas certas e depuradas elegias à morte, é tudo mentira, ou equívoco, ou inútil. A banalização constante das imagens da morte enjoa, adoece, afrouxa, desliga da realidade. Chega o momento que se passa para insensível. Ganhou-se imunidade pela repetição do feio. Mas quando tocar ao nosso lado, a nós, nas redondezas dos que nos cercam, não  vai ser insensível, vai ser atroz. Nesse instante fere forte e fundo e feio, e mata, e acabou-se. A morte é o acontecimento mais desinteressante e malcheiroso da vida, não há necessidade de nos entrar pelos olhos dentro para que nos lembremos dela, lembrança que dispensamos enviando cumprimentos e saudações e que se fa

PÁSCOA

Os meus votos de uma santa Páscoa vão para todos os homens, que se põem constantemente em bicos de pés e levantam os braços com as mãos bem abertas para o céu, não para querem imitar os deuses, mas para ampararem a queda de todos os que são projectados pelos vendavais e remoínhos da vida, coisa difícil de levar.