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Mensagens

MARIA

A Maria   é encantadora. Sessenta e sete anos bem medidos, não em tamanho , mas na energia inesgotável. Não via a minha Maria há muito tempo. Ai o meu menino, fez-se homem. E abriu a porta da boca, agora só com dois dentes como porteiros. Sendo feia, tão feia, como consegue o sorriso mais espontâneo deste universo? Tão bonita a minha Maria! A explicação encontra-se na metafísica! Como vai a vida D. Maria? Vamos menino, vamos costurando as voltas a ver se nos deixa de rabear. E vai-se vivendo não é? tem que ser D. Maria.   E quanto tem de reforma? É um dois mais um cinco , um sete e seis e oito também. Chega-lhe? É poucachinha menino. E quando paga de renda de casa? Aí menino, esses números são todos repetidos, até me engano. Deixe ver: é um nove e outro e mais um e acaba num três. Esgotou-se-me o à vontade com as perguntas. A pior das vergonhas é quando a temos pelos outros, dobra. Facilitei-me demasiado, na â

Irmão meu.

Irmão meu, por aqui o tempo é o da fraqueza, da falta de força para evitar que o que criámos juntos que, diga-se, ficou muito aquém do que ambos desejamos, se desvaneça ainda mais. Não sei explicar-me porquê, a minha estupefação perturba-me o raciocínio, talvez porque seja francamente ingénuo é o que acho. Mas sobreleva a hipocrisia, a ligeireza esperto-matreira, e grave, grave… a impunidade e despudor. É ligeira a forma como se arquitetam as ideias e mais ligeira ainda a perseverança com se levam à prática. Nascem assim do pé para a mão, como se não fosse possível terem raízes e lançam-se assim da mão para o pé que as chutam longe e bem para cima, para onde não podes alcança-las. São ideias sem raízes, que ali ficam pululando com a determinação de serem únicas, frequentemente disputando a inconsistência do achismo. Por princípio valem todas, mas depois valem sobretudo as ideias a que não podes dar valor… por mais que o teu cansaço te desmobilize. Para tão longinquamente

Meu Irmão

Meu irmão, não sei como tem estado o tempo por aí, nem tu o deves saber, que chegaste há pouco, e estas coisas do conforto, não são do pé para a mão. Aqui foi bom. O dia e a noite – se assim se pode dizer – foram luminosos, apeteceu sair à rua, sorrimos descaradamente,  o frio não se fez sentir. A noite esteve muito simpática, e depois quando se fez dia, o sol que é dos nossos, aqueceu a alvorada. Imagina que até as flores que comprei com uma semana de antecedência, ganharam ainda coragem de se porem de rijas e sedutoras . Aguentar até mais não. Não há flores como as nossas! Preguiçámo-nos orgulhosamente pela cidade, por aqueles locais que ambos gostamos, sabes? Houve momentos até que me confundi: era um oceano de cravos andantes ou um mar de homens, ou flores e homens todos misturados e mesmos, ou sei lá eu o quê, inebriados de novas vontades. Não importa, eram muitos, fomos todos muitos. O largo encheu-se. Deixa-me que te diga, que a lágrima

Abril

Se há um mês que gosto, é Abril. As últimas águas limpam os céus das invernias e dos dias tristonhos. As temperaturas amenas, descongelam-nos e abrem   sorrisos . Abril anuncia a transformação: saímos da caverna para dar a cara à luz vibrante dos dias. Somos muito mais felizes neste mês, falamos mais despreocupadamente com os outros, partilhamos passeios e fins de dia, flauteamos por aí. No inicio do mês ainda estamos um pouco aturdidos com tanta luz, habituados que estávamos a longos meses de trevas escuríssimas. Mas em passando o calendário, vamo-nos aligeirando, pondo-nos mais à vontade. Já apetece por uma flor ao peito , porque as há   viçosas e coloridas nessa época. E lá vamos, inchados de contentamento, calcorreando as ruas e as vielas, sem norte fixo, mas com um prazer ingénuo. Andamos a passear a flor do peito, que nem lordes, na ausência de peso, privilégio dos homens livres. Vamo-nos encontrando aqui e acolí, todos com elas na lapela,

Cordeiro de Deus

O cordeiro de deus , cabrito com que comemoramos a páscoa. Sacrifício como júbilo da ressurreição. É muito bom, cozinhamo-lo bem, e dessa forma comemoramos uma tradição. Na mesa, os miudos e os graúdos, não atribuem simbolismo à refeição. Simplesmente comem com gosto. Este ano foi diferente. Os restaurantes tinham reservas feitas com antecedência – mesmo para homenagear o renascimento temos que marcar lugar – e a família, que nisto de datas não perde pitada, recebeu a bênção do jejum num restaurante paquistanês. Somos todos filhos de deus! Deram-se alvíssaras com as chamuças, o nan, a tikka masala. Neste almoço de Páscoa, deu-se o renascimento da família, com muito Amor. Conheci hoje a minha nova sobrinha, também do meu sangue, quatro anos, linda, a futura mulher mais encantadora do mundo! O seu novo avô, alheado da vida no cansaço da rotina absurda dos comprimidos, descompôs-se   num sorriso que já não se lhe via desde a sua infância.

Ao meu Amigo Gabriel

Morre um homem e logo nasce outro. Alguém sentirá a sua falta, um dia outros sentirão , pelo que nasceu agora. Sentimos a falta de um corpo que deixou de existir. Isso doí e leva tempo, se é que alguma vez se consegue, esquecer na sua totalidade. O que esse homem no entanto disse, se nos tocou, por terem sido palavras gémeas das nossas, não se esfuma com um sopro, nem com o mais assustador dos vendavais. Fica pregado à nossa pele, supremo odor de um perfume raro. Obrigado meu amigo, gostamos tanto das mesmas palavras! Só a boa literatura descentra um gesto aparentemente obsceno, no mais revelador dos sorrisos. Grande fotografia essa. E nesse   enorme sorriso, atracamos a bom porto, superadas as intempéries da vida, sempre muito perigosa. Mas se de quando em vez não a mandamos ver se chove, como merece, não arrojamos como tu, tão despreocupadamente, por outros e desconhecidos caminhos, lá onde seja. Por favor, se não te