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ONTEM- FOLHETIM 4

Troveja a esplendidez da tarde, segundo acto do dia. A Dona Elvira é boa pessoa, tem uma filha obesa e um gato. Dada a sua condição avantajada, Elvirinha a filha que repete o nome da mãe, pouco sai de casa, debruça-se da janela da marquise e a cabeça de fora conta como ter saído de casa. É pouco mais velha mas parece da idade das criadas, velha portanto, mas muito menos interessante sexualmente do que as primeiras, viçosas, roliças, rijas. Tudo indica que a sua vida se encaminha para vir a exercer a profissão de leitora compulsiva, um sacerdócio Infrequente. Este género doentio de leitores, de lerem muito, ou são obesos, ou magríssimos, ou fleumáticos. Também há de todos os outros, pelo que há de tudo. As relações entre moradores e estudantes não são as melhores. Existe distanciamento, quase omissão. Anda no ar, como se diz. Os dois  grupos delimitam  territórios com pouca mistura. Há  uma solidariedade tácita no grupo dos residentes apesar de fora das horas destas con

A VIDA NO SEU GERAL

Hoje não choveu, ou pouco; não ardeu, ou menos; não calorou - ou muito ou pouco - de ter feito calor com uma palavra inexistente e aceite.  Foi um dia banal, no sentido de acontecimentos dignos de nota noticiável. Hoje não se resolveram as dúvidas que se tinham de ontem, ainda menos se esclareceram as de hoje, e fica-se a distância longínqua de se ter uma vaga ideia sobre as precauções que se devem tomar relativamente a amanhã, dia perigosíssimo, porque é desconhecido. Sendo todas, estas, as co ndições que se apresentam, é de uma grande probabilidade, que as pessoas, incomodadas por tanta dúvida insegura, sejam levadas a dizer mal da vida em geral, e dos acessórios da vida que constroem o seu geral.

FICÇÃO

Podemos inventar sem ir? Escrever sem ver? Podemos, anunciando com trompetas A entrada em cena da ficção. Feito assim, nesse preceito, Aceita-se a fraude.

ONTEM - FOLHETIM 3

O maior mistério de todos os tesouros é não se saber onde estão, pairarem escondidos do olhar, com inimagináveis riquezas que não se sabe se sim ou não. Por isso mesmo porque não se veem é que soltam as imaginações, desabridas, em cavalgadas sem rédeas. Se há coisa que vem em qualquer momento a jeito de todas as mentes menos as diminuídas, é a invenção de uma bela e robusta história. Entretém, preenche, justifica, dulcifica. Os miúdos têm uma curiosidade insaturável. Há casinhotas completamente desinteressantes e outras que despertam sururus, mistérios insondáveis. Estão em fila e têm as portas de madeira pintadas de amarelo, canário. Estão numeradas ou não, talvez. De todas, a que se destaca é a número três, número que deus fez e neste caso o que calhou ao fotógrafo, que a habita (uma forma de dizer) e vive com a família no rés-do-chão esquerdo. Não é um homem de simpatias fáceis. Um fotógrafo tira fotografias, mas o senhor Casimiro nunca foi capatdo na via pública
Desânimo, tristeza, choro, impotência. Este país, bonito, não é para ninguém. É muita loucura. Num dia campeões de tudo, no segundo seguinte o caos da negritude absoluta. Nada, somos o nada. Os palhaços ao serviço passeiam-se nas televisões, Belos discursos gongóricos. Putrefactos discursos. Ninguém faz nada e todos os demais que são ninguém, Não querem saber de nada. Hoje e amanhã os rostos ficam carregados e choram. Depois, continuarão a palitar os dentes, indiferentes, amorfos, Completamente estúpidos.

ESPECIARIAS

É a loja mais fotografada da Rua dos Bacalhoeiros, em Lisboa. Os turistas acham que são especiarias, como as que se encontram espalhadas pelas medinas do Norte de África. Só é estranho o facto de por cá usarmos especiarias de moagem grossa

TAMBÉM HÁ SANTOS NAS PERIFERIAS

São labaredas e enormes, têm mau aspecto, feias. Toros grossos de madeira ardem descuidadamente, chispam faíscas. Fumo branco. Como todo o fumo, escapa-se na lógica de subir às alturas e dissipar-se. Os bombeiros, atarefadíssimos, andam de um lado para o outro, concentrados nos trabalhos sérios dos bombeiros, cada um na sua missão. Trabalham bem em equipa. Falam-se poucas palavras. Nestas condições para se ser preciso, não se fala mesmo. Há tensão no ar, também nervosa. O ambiente está carregado, mas a organização é exemplar, a resposta imediata, irrepreensível. Quando parecia que tudo estava perdido, afinal as primeiras sardinhas do ano estão excelentes. Comem-se no quartel de bombeiros de Queluz, urbe densa, que não tem só um palácio azul e quartel de tropas artilheiras e gente de multiculturas que a vivem, como igualmente uma comemoração dos santos populares -no que respeita ao aprumo do serviço, a diversidade da carta e a qualidade do produto –