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Mensagens

FURÕES

  No meu círculo de amigos todos sabem que sou companheiro de um cão – dividimos até casa - que se chama Senhor Darwin, cão inteligentíssimo, mas quem não o apregoa dos seus, sejam eles cães, gatos, coelhos e agora parece que estão de moda, os furões? Dando a entender que a conversa era para ir no caminho do Senhor Darwin, não, as nossas intimidades existenciais são e continuarão a ser só nossas. De quem se quer falar é dos furões. Fiquei de pequeno com a imagem, de ouvir histórias dos caçadores, que os furões para além de animais muito combativos e ferozes eram proibidos de usar nas tocas por obrigarem os coelhos a saírem e serem apanhados, de uma forma muito pouco digna para o coelho, já que nem sequer lhe dão a oportunidade de se por a correr que nem um doido e assim, talvez, conseguir fintar a pontaria do caçador e muito menos serem apanhados pelos cães, que com excepção dos galgos ficam com a língua de fora enquanto os coelhos os rabeiam a seu belo prazer. De galgos não vale a pen

"CAN'T BE A RHINO ANYMORE" - PAULO ROBALO - Exposição Galeria Monumental Mai/Jun 2'021

Quando não se dão carícias aos croquetes dos senhores, quando o apelido não verga reverências, quando não se senta na primeira fila dos discursos que babam para os babetes, chegar aonde for para chegar, é um caminho de pedras e murros traiçoeiros no estomago. Chegar à galeria Monumental, em Lisboa, com uma exposição individual, é uma sensação de sabor doce. Depois do caminho vencido, pode-se olhar em panorama e a vista é boa. Sinto essa coisa estranha de definir, que pode ser um cheio em mim.. Como tu Paulo Robalo agora estás a sentir. Sem te perguntar, porque sei que não preciso. Dizem que os gémeos sentem as mesmas sensações e nós somos irmãos e gémeos com cinco anos de diferença, sem que nenhum de nós veja nessa diferença um impeditivo de sermos gémeos na mesma. Apesar de te teres ausentando só por uns momentos breves, estás quase a voltar e um dia destes, de braço dado e pimpões, vamos ver a tua exposição e dar de caras e abraços com os que gostamos e nos gostam, todos, ansiosos

CEUTA 2021

  Não sabem o que os espera e o que os espera não é bom. Não há fugas bem-sucedidas para a liberdade. É um logro andar atrás dela. Escapa-se sempre que batemos à porta. Procurando-a – são jovens, impetuosos – vagueiam sem norte, vão ao engano. Arriscam tudo, até a vida. Iludidos pela esperança, a grande hipnotizadora. Venderam-lhes caro prospectos de publicidade falsa com imagens coloridas. Essas imagens não existem. Não há paraísos na Terra, só nas cabeças das pessoas. Não venham, não há um lado bom e um lado mau. Este lado tem tantas coisas más como esse. Será mais confortável mas para poucos. Muitos de nós se tivéssemos onde e como, também partíamos. Não venham, mas se vêm, fazendo frente e coragem a trabalhos incongruentes e cruéis, qual Hércules, um menino de contos, é porque aí não se está nada bem, para vos levar a um acto desesperado, vencer mares e muros, e tantos a ficarem pelo caminho, feito de desertos inclementes e águas traiçoeiras. São tão altos os muros e fica-se tant

QUANDO FUI PAPA

  Começo a tropeçar nas memórias. Do nada, saltam-me à frente. Reencontros agradáveis, ou nem por isso. Umas aparecem coloridas, outras e preto e branco. Talvez se tenham desgastado entretanto. Lembro-me dos primeiros anos, era Páscoa, efeméride pesada, soturna, triste, que custava a passar. Não sendo praticantes regulares eramos reverentes. No ambiente da época era o mínimo que se devia ser. Menos era infração. Nos dias que antecediam a ressurreição, fenómeno que eu muito admirava pela sua excentricidade e desfecho positivo, as pessoas ficavam ainda mais sérias e reservadas. Em casa, as refeições eram ainda mais frugais. Não se comia nem carne nem peixe, só bacalhau. Para a minha avó que estagnou numa forma repetitiva – cinquenta anos pelo menos – no peixe frito com arroz de tomate, a imaginação congelava-lhe nesses dias e ela só cozinhava arroz de tomate. Domingo era o grande dia, do anho no forno, mas até chegarmos lá! A emissão televisiva a dar os primeiros passos, já de si muito l

O HOMEM QUE REINVENTOU A ESPERANÇA. ROTEIRO DE UMA CIDADE LIVRE

  Noite agradável. Na parada militar, perfilados, aguardam. Ouve-se Grândola, Vila Morena num radio que amplifica o som da fraternidade nas paredes que envolvem a parada. Duzentos e quarenta homens, saídos de serem meninos, comandados por um oficial com 29 anos, sorriso rebelde, olhos curiosos, partem para Lisboa. Vão libertar a liberdade. No Campo Grande, à cidade universitária, cinco da madrugada, a coluna para nos semáforos. Vão fazer uma revolução e param nos semáforos. Às 05h45, tomam posições no Terreiro do Paço. Forças do regime defendem os ministérios. O jovem capitão, sente na cara tensa, carregada de adrenalina, o afago da brisa fresca que vem do rio, a dar-lhe confiança. Vai nascer um dia luminoso. Na concentração que tem em si, não ouve as gaivotas pousadas no Cais da Colunas. Dão-lhe boas-vindas. Dizem para não ter medo. Não era preciso dizerem, este homem não tem medo. O Terreiro do Paço é o eixo de um império irreal. Onde estão os ministérios, onde o regime sonha a

DA JANELA

  Uma janela. De um lado desta, uma mesa, cor de mel. Um caderno pautado com linhas azuis, uma mão que orienta a caneta de aparo, escreve palavras, umas seguidas das outras. Quem comanda a mão, ou julga que a comanda, olha a intervalos pela janela, para fazer uma pausa. Do outro lado do vidro não tem uma vista ampla. Vê uma fachada de um prédio cor-de-rosa, metade de outro amarelo, o telhado de ambos, e janelas. Várias. Vê também um pedaço de céu, não muito. Durante o dia todas as janelas são quadrados negros. Não se vê nada para dentro delas. É possível que alguém, protegido pela sombra, esteja a olhar também através da sua janela. A olhar para este lado de cá e verá outras janelas idênticas num prédio amarelado, uma linha de telhado e uma linha de céu. À noite quando acendem luzes, candeeiros, as janelas ganham vida, pode-se ver para dentro delas. É como se projectasse em várias telas quadradas, ao mesmo tempo, sobre uma parede cor-de-rosa e outra amarela, cenas de filmes diferentes,
  Acinzentou o dia, o que é logo suficiente e motivo para se levar a melancolia à rua. E é vê-la, a passear, pela mão destes e de outros, novos e velhos. Em dias assim paira um desalento, uma falta de vontade. O mundo detém-se esperando que o sol irrompa no que tem de glorioso para nos dar. Alguns não aguentam a espera e cometem desfechos irreversíveis, consigo mesmos. Outros subtraem vidas alheias, Às vezes em actos de grande violência, que nunca se poderá entender. Uns amuam como se fossem ainda crianças e não falam mais. Há quem gaste tudo no jogo, ou na bebida, ou mesmo em todos os pares de sapatos que pode comprar com todos os cartões que tem disponíveis e ainda lhe dão a ilusão de invencibilidade. Os mais sensatos, que insistem nisso, esperam. Nada mais. Quando finalmente aparece o sol e aquece, a melancolia corre a fugir, para se esconder por baixo dos tapetes, em casa. E aí fica, quase esquecida, até nova oportunidade. Todos em geral alegram, menos os que nunca foram capazes de