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PAZ

Também eu quero paz, como lhe chamas, um nome imponente. Ficar quieto, em que tudo se aquieta, indiferentes às entropias, impávidos perante qualquer rumor, mesmo que em nosso nome. Não nos deixarmos afectar pelo que nos rodeia próximo ou longínquo. Estar sem nada fazer a não ser receber a paz, que é fazer nada, bem feito. Sem alterações de excitabilidade. Impavidamente. De figuradas pernas abertas na cabeça. Disponível. Absorver pelo que tenha que ser, independentemente do querer. Sem consequências. Assistir sem formar opinião, deixar correr. Não é deixar, porque não temos acção consciente sobre isso. Nem vontade que seja pessoal. Nem pessoal nem de outro por nós. Um fluir, imitando os deterministas, pessoas sérias, bem-intencionadas, persistentes numa filosofia que magoa a ânsia de liberdade de alguns, dos que se magoam com facilidade. Ver como um fado, marcado, nas linhas das palmas das mãos. Uma paz assim, queremos porque estamos vigilantes, mesmo sendo

ARESTAS

Limo as arestas, sempre a limar arestas, a profissão mais monótona que consegui ter. Aprendi sózinho, copiando outros, fui apurando os gestos e a disposição para eles seguirem as ordens da cabeça. No inicio errei bastante, normal. Com o tempo, anos, veio a experiência. Hoje sou bom no que faço. Muito bom. Não me sobra tempo para nada mais e ainda assim, há instantes em que se instala a dúvida, sem certeza que foram convenientemente limadas. Creio que é uma missão. Não fui obrigado. As condições criadas e totalmente alheias da minha vontade, expressa ou imaginada, levaram-me por esse caminho. Outros são carrascos, outros banqueiros, outros amantes competentíssimos. Há de tudo. Quando me apercebi já era tarde para mudar, deixei-me ficar: melhor fazer alguma coisa do que nenhuma. Quanto à importância do que fazemos, para o mundo em geral, o que isso altera ou influi ou conta, já não sei. é um assunto que ultrapassa o meu entendimento. Só sei limar arestas. Temos que ser

COMO É O PARAÍSO

Empolgamos e não há outra forma, senão agarrarmos  as dobras dos limites e, num esforço, acima do comum que nos foi permitido, pomos os olhos de fora tentando vislumbrar, crianças curiosas, a que  é parecido o paraíso.

FELICIDADE LOGO AQUI

Está um dia com personalidade E gostamos, Caleidoscopiando Nas incidências inesperadas Que produzem os raios de sol. Ao evidenciarem o melhor e o pior dos corpos, Ao reflectirem imagens no chão das ruas, Nas paredes caiadas das casas, Puxando os contornos e os brilhos das sombras. Merece comemoração, Um dia com esta envergadura. Mas andamos sempre tão distraídos. A labuta. Quando não, É uma apoteose da vida. Desconfia-se que a felicidade Usa este tipo de estratagemas Para se dar por aparecida. Normalmente é sorrateira, Mesmo não o sendo, Poucos a apanham a sorrir para nós. Entre os seus muros pessoais, intimos,, Dando o melhor que têm para dar, sérios, Sopesando o hiato: Á frente da biqueira do pé direito, Enquanto vem a caminho o esquerdo, Para preencher o espaço em suspenso. É nesta concentração, que não dão conta dela

VAZIO IMENSO

De peito rasgado, Nu frio, Recebo a noite Rainha das trevas. Vem render a claridade. Seguindo-a, O séquito dos príncipes negros Cavalgando cavalos de sombras. São a guarda da soberana. Tomam a estas horas tardias Conta do mundo, Quando a luz o abandonou à sorte, Do imprevisto. Fiquei eu De peito aberto, Braços fazendo a figura da cruz. No papel De um filho de deus. Papel difícil, Não é para mim, Não o desempenho bem. Fui deixado aqui para a receber. Não sei porquê, Nunca sei porquê a tudo. Até a luz vivaz! Sozinho para receber a Senhora, A rainha das catacumbas escaldantes. Eu, Um pavio frágil de luz, Esmorecendo, Abandonado até pela esperança dúbia, Uma falsa, A esperança. Porque me abandonaste?

TU

Não queria que me escapasses. Não tenho explicação, Eu mesmo achava que não era desses, Mas nos momentos limite De te deixar ir, Prendia-te ainda mais. Abraçava com uma força Desmedida, Que nem sabia que possuía. Uma atracção magnética, Se o posso dizer. E tu, Indeciso, Mas com alguma vontade contrária, Ficavas. Eu, Antecipava o inevitável, Minutos, horas, Quem sabe dias inteiros, Perfazendo muitos. Esperança vã. Porque, Para que tu nunca te afastasses, O que eu deveria realmente fazer, Era abrir as mãos e deixar-te ir. Impulsionado por um pequeno sopro, Meu, Saído da minha boca, Sussurrando no seu impulso : liberta-te, vive-nos!

CAIM MATOU ABEL

* Matou-o no dogma dos Judeus, matou-o no dogma dos cristãos, matou-o no dogma dos muçulmanos. Depois de ter sido morto consecutivamente, três vezes, mais do que defunto, esse facto definitivo e os seus significados, deveriam ter deixado o assunto resolvido. Mas não. Caim insiste em continuar a matar Abel sempre que lhe é dada uma oportunidade. É tão recorrente que quase perdeu o simbolismo. São irmãos, mas nunca se irão entender. Não se escolhe a família. Hoje, Caim mata Abel por tudo e por nada e não precisa da desculpa das religiões para o fazer com descaramento. No entanto, uma religião – que esteja à mão -, é uma boa incubadora de ódios de estimação: Não és como eu, então és o demónio. Vou matar-te, por fora e por dentro, para que as tuas ideias não frutifiquem e se sobreponham às minhas. Depois de morreres digo que sou tolerante, aceito todos os contrários e limpo daí a minha consciência. Ouvindo e entendendo isso, as novas crenças, evangélicas e afins, algum