Avançar para o conteúdo principal

Mensagens

AS RELAÇÕES DO SENHOR M. COM A.

O senhor M. esteve vinte e um anos fechado em  casa, por decisão própria - um bom apartamento -,de onde não saiu, nem para cumprir obrigações, coisas básicas, pagamentos. Aconteceu-lhe este fenómeno no dia em que foi a enterrar  o amor da sua vida. Não a enterrou verdadeiramente enterrada, no sentido de uma pessoa viva que o deixa de ser - e morre – sendo obrigatório fazer-lhe o funeral. Fê-lo no sentido figurado. Como o indica a lei e ele é homem de seguir os protocolos, encomendou as exéquias da descida à terra ou da subida aos céus (na direcção que se preferir), e a defunta, neste caso viva, seguiu o seu caminho. Ele, vestiu um luto que não abandonou mais. Uma vez vestido, é até aos dias que faltam cumprir, seguindo um hábito ainda recente, dos meridionais. Faziam-no mais as mulheres, imagens de fantasmas negro baço, algumas ainda na flor viçosa de uma idade por desabrochar, tão novas, azares da vida, maridos que morreram cedo demais. O facto de ter abdicado de

O PIANO

** Um piano tem  88  teclas,  brancas  e  pretas,  de  madeira.  As brancas são revestidas de  marfim  (já  não),  ou um  compósito  de  plástico,  nome técnico;  as  pretas,  de  ébano.  No  tempo  em  que  viveu  Mozart,  era  ao  contrário: as brancas eram pretas e estas brancas. Há pianos de cauda e verticais,  estes  mais  bonitos,  mas  pouco  práticos  de  arrumar.  São instrumentos caros. Há quem diga que são o instrumento musical mais completo,  aparte  a  voz  humana,  claro,  que  não  é  um  instrumento,  ou  então é, mas biológico. O   senhor   A.B.   gosta   de   tocar   piano,   de   ouvido,   e   na   realidade   gosta bastante, mas não tem um piano e nunca tocou a sério em nenhum. No entanto,   tem   dois   virtuais:   um   no   armazém   da   ourivesaria   onde   trabalha   e   o   outro   em   sua   casa,   mais   propriamente   na   casa   da   madrinha, onde   vive.   Diz-se   que   são   virtuais   porque   na   realidade   não   são pianos verdadeir

GATAFUNHOS

Era um homem que o fazia, quem mais poderia ser? Os animais não têm essa habilidade. Também não era um espírito, um fantasma, uma entidade subtil, como se lhes possa chamar, se é que os há havendo, destes seres, que não inventados, com alguma vida própria e individualizada. A existirem, comunicam mente com mente, em ligação directa, capacidade a que chamam telepatia. Mecânicas de ordem superior. Não precisam de rabiscar incongruências nas paredes, penetram nos âmagos sem avisar e dá-se a comunicação. Era pois, um homem, tinha que ser de ordem humana. Com isto levantam-se questões. Que tipo de homem faz isto? Por puro exibicionismo? E porque escreve assim? Se tem outros meios mais eficazes? Dita a verdade, nem se sabe se isso é uma escrita. Não raras vezes procuramos lógicas consoladoras onde não existe nada mais do que vazios, gatafunhos inexpressivos. É certo que há muitas línguas e idiomas, centenas, algumas já nem faladas. Há assim muitas formas de se dizerem amores e