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PORQUE NÃO SOU ADVOGADO

Os meus pais sonharam tanto com um filho jurisconsulto, para eles advogado, mas escapei-me e desiludi-os num dos seus sonhos de pais: a profissão dos filhos.   Que nem sempre acerta, depois, nos sonhos que os filhos escolhem. Fugi para casa de uns primos afastados, gente honesta, se tivesse sido advogado também, que tinha um negócio de venda de bifanas, actividade itinerante, numa rulote, na Alsácia. Tornei-me vendedor ambulante, sem nunca ter imaginado que na Alsácia as pessoas gostavam de bifanas no pão. Encontrei o meu caminho e sou feliz desde aí, mesmo pagando impostos. Sempre que o meu negócio permite, recebem-me, os meus pais, quando venho no verão matar saudades (já me custa entender o significado de algumas expressões. Eu não venho matar nada: venho viver). Venho então recuperar momentos da minha ausência,   da terra. Eles não são espontâneos, os meus pais,   no fundo nunca me perdoaram ter-lhes falhado no sonho, deles.. Não foi por não ter sido doutor, mas

ABRAÇO-TE-ME

Estendes os braços nus, finos, oferecem-se assim amplos, pedintes. São provocadores, não são provocadores, são absolutamente meus, espero, esses braços, com a sua intenção honesta de me abraçar, só a mim, e porque estão nus e são finos, levo a intenção ainda mais a sério. Mas não. A tua intenção nesse jogo subtil de se pensar que é uma oferta, é afinal que seja eu a abraçar-te quando chego à distância de o conseguir, estendendo os meus braços menos finos e menos femininos, mas igualmente só teus. Com a melhor das simples resoluções, faço-o sem considerações filosóficas, nem mesquinhas, o amor não faz considerações. Então, perco-as se dúvidas tivesse, ponho para trás algum receio, e avanço, chego-me, um aproximar dos tímidos. Tudo isto foi um virar de segundo, abraçamo-nos, e não temos palavras encadeadas e suficientes para explicar com clareza o que aconteceu aos outros por não se terem abraçado, nós sim, sabemos bem o que nos aconteceu, não estamos interes

TRAIÇÃO

Torneaste-me com outra. Galanteador, cínico de meia-tigela. Não mereces o cálcio que assimilas. Contigo, o sol anda a perder tempo. Acercaste-te  com mansidão, eu longe de estar necessitada, com a ocupação mais que suficiente de estar a encarreirar a minha vida para a frente, e tu, hipócrita armado em  peluche fofo, a abeirares-te  pedindo mimos. Eu a dar-tos, parva! Não consigo ver um sofrimento (mesmo que fingido) e vou logo embalar o mundo! Fui nos teus versos e foi no que deu: traída por um smartphone! Não foi o hediondo tablete que me traiu, foi ter visto nele a combinação imunda de um encontro carnal com uma outra que não eu, quando era o tempo de ter sido eu. És um polígamo com halitose! Defeito duplo. Não vales as cuecas esgaçadas que vestes. Vai-te!  Some-te de mim! Digo-te hoje pela primeira e definitiva vez – estava atravessado - que desde o dia que te conheço que acho ridículas essas orelhas que tens. Vais ver quando fores velho e elas descaíre

BEIJO

* O rigor matemático que se exige num beijo para se atingir os mesmos níveis de emoção de um míssil que alcança a estratosfera enquanto o diabo esfrega um olho, obriga a capacidade diferenciada, um talento, diga-se: ser aluno de vinte nas matemáticas dos beijos bem dados, numa capacitação para  aguentar sem falência cardíaca fulminante o impacto do amor, comparado que é este com a projecção a uma velocidade vertiginosa de um projéctil na direcção desembestada do fim do mundo, nome que alguns dão ao infinito do espaço sideral. Reunidas as condições, um bom beijo é quase a melhor coisa do mundo, pode mesmo ser a melhor. Depois destes preâmbulos, como engenheiro   aeronáutico do amor, que sou, aqui vai um míssil, que nem louco. Um beijo para ti, outro, dá-me tu um, vá... ** *Jean-Léon Gérôme - "Pygmalion and Galatea" ** Nicole Eisenman - "Sloppy Bar Room Kiss"

CARTA DE IRMÃOS DESAVINDOS

* “Meu irmão, como te vai passando o tempo? Estimo que bem, na companhia de quem mais amas.  Estranharás receber uma carta, minha, quando já não se usa escrever. Não sei mesmo se ainda haverá selos, para a pôr numa caixa de correio e chegar até ti. Escrevo-te uma carta porque acredito que entre o seu envio, a sua boa recepção e a resposta que depois se espera, gera-se uma bolsa de tempo que admite o arrefecimento e a ponderação do sentimento, o que dá a possibilidade à razão de corresponder de forma apropriada. Oferece-se um tempo extra para levedar a resposta, e o que dai sair é com certeza mais sensato. A vida tem destas coisas, afastamo-nos sem razões nem motivos, e vamo-nos afastando sem razões nem motivos, e quando damos conta – agora – já estamos longe, perdemos o pé. Numa situação destas a que nunca deveríamos chegar, não se sabe  o que dizer para reiniciar a conversa interrompida, num tempo esgotado em que nos perdemos um do outro.. Se  aceitarmos alguma humi

PALAVRAS À SOLTA

Há anónimos que escrevem mensagens em grandes superfícies, por todos os lados do urbano: muros, fachadas de edifícios, pontes. São mensagens de desconhecidos para destinatários desconhecidos. Por vezes têm nome no final, um nome próprio, um nome banal, nada mais. Estas são frases de intervenção, de cidadania vertida ou invertida, são pinceladas de amor, ódios, raivas, queixumes. Algumas acompanham-se de pinturas, riscos e rabiscos, os grafites, onde a assinatura não é um nome mas um símbolo, para alguém entender, um código, da tribo. Algumas destas composições, a que uns chamam arte, e outros torcem o seu convencimento disso, enchem momentaneamente o olho, e a alma, de transeuntes sensíveis, parados num semáforo, mal estacionados em dupla fila, esperando os filhos saírem da escola, ou de entrarem na aula de ginástica, numa paragem de eléctrico, encostados a uma parede a verem as vistas, distraídos nos pensamentos, do quotidiano, com os seus botões. Muitas destas palavra

Ah o AMOR!

Minha já mais que muito querida Niquinhas. É outro o substantivo, e gostaria tanto fosse adjectivo, que tenho a rodopiar estonteantemente como um pião na minha cabeça, mas o pudor impede-me ainda de o revelar. Pudor não, medo de não ser correspondido. Anseio pelo dia que isso aconteça, e que do outro lado, de si, venha a confirmação ruborescida de que gostou do trato. Quando acontecer esse dia, que espero seja amanhã, ou mesmo hoje que é o dia oficial dos enamorados, não nos trataremos por mais nenhuma outra palavra, senão essa que tenho na mente. Uma só será suficiente, pois que eu tenha conhecimento, não há palavra mais cheia para lhe oferecer, para nos reconhecermos no meio das multidões confusas, o que prova o sentimento contido nela, uma palavra que contêm todas as outras. Eternamente seu, assim me autorizem os deuses, Meu…Amor