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Mensagens

REZAR O SILÊNCIO

      Na sua “cultura” ( e faz sempre vir a lágrima ao interstício do olho, dizer-se “a sua cultura”), as orações cristãs foram as primeiras que aprendeu. Ter-se-ia ficado por essas,   orações honestas, reconfortantes,   ambas, não se querendo por pudicícia gerar conflitos internos não lhe viessem a seguir, que nessa altura não contava com isso– o mundo evoluiu a uma velocidade estonteante -   outras curiosidades de experimentação, com a ingenuidade de acreditar que esse mesmo mundo em que confiava de olhos fechados, afinal, pode ser um caleidoscópio. Foi ontem – ainda hoje anda por aí, até exacerbado como uma possível febre dos fenos – que ter nacionalidade, “boa” (hemisfério ocidental, sempre a subir de nível), das antigas, das credíveis, a que se pode chamar Pátria, palavra ímpar   (e de novo a lágrima no canto último , descaindo do interstício), era uma bem-aventurança , um presente bem embrulhado, com tudo incluído.   Uma língua belíssima; um Deus único que fez a c

LIVROS QUE SE OUVEM

Não temos a possibilidade da visão do amanhã. Ainda bem, faríamos disparates. Gosto dos livros, leio todos os que posso e escolho-os pessoalmente. Desloco-me propositadamente a uma livraria real que expõe livros, e alinho num confronto directo, apreciando as capas, tocando, sentindo, lendo frases em páginas aleatórias. Nunca compro um livro que esteja no “top” de uma livraria. Assusta-me o que me impõem. Amo ler mas também gostaria de os poder ouvir. Decidi então que vou começar a ler alguns em voz alta, talvez goste de os ouvir ditos por mim. Depois poderei gravar (ainda não sei como, não percebo nada disso, mas aprenderei com tutoriais). Se correr bem acrescento os que mais gosto e outros que vou gostar muito mas ainda não sei mas espero, e não vou esquecer de incluir os que vocês me vao aconselhar. Poderei vir, se o futuro me levar para aí, a ouvi-los com prazer, que foram ditos por mim,  coisas extraordinárias escritas por seres excepcionais. Não sei o qu

NÃO SE AMPARA QUEM NÃO NOS DEIXA CAMINHAR

Não se ampara Juncker. Deixa-se Juncker e a sua tibiez seguir o curso natural do acontecimento: estatelar-se, ou não, do pedestal onde se deixa fotografar com os “amigos”, todos eles tíbios, cambaleantes, sem saberem onde cair, apesar de estarem insuflados. Uns de poder, outros de protagonismo efémero, tiraram uma fotografia ao lado dos que realmente têm poder e os omitem como baratas, e acham por isso que também são importantes.. Não se fotografa dando a mão a Juncker, porque não é uma companhia recomendável, precisamente o seu contrário. É o símbolo de uma Europa desgovernada por tipos brejeiros, de fato preto, bem-falantes, que o que querem mesmo, é beber champanhes caros e vinhos muito bons e igualmente caros, e não ter de os pagar, pagamos nós e não os provamos sequer. Depois vão para casa fazer pela vida, a sua e a dos seus queridos. É isso que eles querem, nada mais do que isso. Amparar um indivíduo destes, é identificar-se com este tipo de amparo, ou pedir u

METÁFORAS DE AMOR

Deixa-se um grande amor, numa curva apertada da topografia da vida, Um grande amor ou a sua possibilidade. À porta de um bar, numa paragem de carro eléctrico, num esconso da cabeça, num equívoco pessoal, num desencontro de minutos, numa ilusão que se desilude. Ancorado num cais imaginário. Encontramos, perdemos, voltamos a encontrar, a perder. O mundo, impassivo, continua a rodar sem misericórdia, indiferente ao amor. Nunca encontramos quem queremos, perdemos quem não sabemos que queremos, nada sabemos. Tertuliano emigrou para um barco, fez-se marinheiro, para viver o amor do mar, e o seu outro amor ficou amarrado a um cais, uma estátua, é essa a verdade factual desta história. Duas mulheres, uma de carne e osso e sentimento, e outra só de abstração, competindo ambas para serem as escolhidas. Uma chama-se Maria, a outra chama-se Mar. Antes de se transformar em mulher estátua, no momento imediatamente a seguir a este relato, Maria a Varina, vestida de preto num

A RIA DA TERRA ESTREITA

A certas horas do dia, de alguns dias, quando o sol ainda mal desperta e não cobre toda a criação de um calor abafado e algarvio; quando passam lentamente pedalando bicicletas ferrugentas, velhos com camisolas de cores garridas e gastas, alguns de cigarro pingando no canto da boca; os pássaros treinam os primeiros voos com bateres de asa preguiçosos; a ria, na doce quietação de estar a terminar o seu sono reparador apresenta-se em momentos destes, particulares, como um espelho de água. O único movimento digno de nota que anuncia a vida, quase imperceptível, é um ondular mínimo, um pequeno fluxo das águas superficiais, como um mexer de lençóis que faz imaginar a existência de um corpo escondido neles, debatendo-se com a decisão de despertar ou continuar a dormir. Tudo tão purificado, parece um sonho, uma esperança renovada: a ria assim, a terra estreita à espera de visitantes, a aldeia com nome de santa, de janelas humildes e algumas presumidas, com os olhos ainda fechad

TRADIÇÃO E CULTURA - FESTAS DE VERÃO

Nas ruas, grossas traves de madeira fazendo de muros, protegem as bestas das pessoas. Separam mirones dos “artistas”. Dá-se início à representação de um espectáculo antigo, um rito, uma tradição de cultura. Largam-se as bestas para gáudio do povo. São touros bravos. Esperam-se cornadas boas, piruetas e volteios, e sangue, o suficiente, o indispensável para colorir, e justificar, a tragicomédia que se representa todos anos. Festas religiosas estas, com procissão e velas e muita fé. As pessoas gostam de serem cilindradas! São às centenas os homens a correr à frente dos touros, uns a tentar escapar, outros a afrontar, a maioria só a ver. De ver se enche o olho e leva-se experiência para contar entre os amigos, inventando-se talvez alguma coragem, que não existiu, a não ser que seja coragem ter uma garrafa de cerveja na mão e estar encostado ao tal do muro, a ver quiçá já com os olhos enublados, a passagem dos cortejos. A largada vai terá o seu auge na praça de touros, de por

HISTÓRIA DE AMOR EM EL ROCIO

Podia ser agora, neste instante em que o digo. A definição cristalina da imagem, irrepreensível, focada, captação de todos os detalhes constituintes, pixels. O mais perfeitamente alguma vez feito e acabado rosto, jamais visto, uma só vez, visto. Paixão fulminante e efémera, tudo é. Cinco, dez minutos. Importa a intenção e qualidade. Tão bela, que a considerei a imagem canónica da beleza, sem recensão posterior. Passaram anos, esqueceu-se o rosto, depois de muitos. Veio à tona, borras do momento. À tona do magma amniótico onde borbulham restos dos pensamentos, fotogramas de vida, ideias preconcebidas, ideias concebidas em continuação. Essa mulher, que nunca me disse o nome próprio, porque nunca olhou para mim, Eu para ela intensamente. A saudade que me deu a revisitação, será do tempo - uma eternidade – que nos amamos, só a amando eu a ela, ou o sabor amargo que nessa altura, na Romaria de El Rocio, erámos imortais. Agora faz-nos fal