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DESCUIDADOS DE DEUS *

Não há reparos a fazer ao dia. A haver, era dizer bem. O Sol, brilhava rei e senhor, resplendia aproveitando a gentileza de o céu se ter disposto todo em azul clarificado, sem o incómodo de uma única nuvem intromissa, para incomodar o exagero de luz projectada sobre a terra. Era um dia repleto. Estavam reunidas as condições e a oportunidade   de uma orquestra sinfónica de harmonia e paz, banhar a terra. Podia ter sido um daqueles dias, em que sem nenhuns e propositados acordos de regime, a terra suaviza o seu buliço, o bom e o mau, e as pessoas feitas tréguas, aproveitam as esplendidas condições atmosféricas, e estendem-se muitas nos relvados, espreguiçadeiras de esplanada,   absorvem a   abundância gratuita do sol. Todos se despreocupam das questões, grandes e pequenas, ficam meio amorrinhados, gozando a qualidade calorosa dos raios de sol. Foi nesse dia, o julgamento. Tão adiado, esta ou aquela razão, recursos, não comparências. Esgotaram-se nas partes litig

OS DOIS

Todos os dias são os teus, e os meus, nossos, melhor. Sendo dos dois, multiplicam-se, abrem caminho, a hipóteses estatísticas de virem realmente a serem muito bons. A dois, as mulheres, os homens. Afinal, todos nossos são os dias. Senhores deles, que os inventámos e nomeámos. Vivam. Vivamos, na comunidade escaldantemente afectiva de os vivermos a dois.

RENASCIMENTO

      William Turner O fim do dia, Um qualquer, Não garante, Mas promete o esplendor descarado de um novo dia. E assim se faz a confiança, e o sorriso, que é esperança. Amigos pândegos, mas honestos, que andam por aí de braço dado, Motivados pelo quase absoluto convencimento, Que amanhã haverá um novo dia. Todos esperam isso, Até o dia, Deseja renascer e ser feliz.

GOUTHA, A DESALENTADA

Uma cidade é um ser vivente? É um espaço habitado por seres, num fluxo constante de vida e morte. Isso dá-lhe carácter. São eles que lhe dão vida, cunham a sua identidade, esses seres específicos desse lugar maior que outros lugares, que a escolheram para viverem, e morrerem, nessa localização exacta e não outra.Uma cidade é um útero, e nunca se viu nenhum ser no tempo da gestação assassinar a sua própria mãe, porque o útero é o local mais agradável que se conhece para germinar a vida. Uma cidade é o cemitério, onde se depositam para o descanso final os entes queridos, e nunca se viu ninguém que ama devassar a última morada dos seus. Uma cidade é o eixo do mundo, esse pequeno mundo que a povoa, que se levanta todos os dias para ir às suas coisas do dia, que se deita para descansar das suas coisas do dia, na noite, repousando, repousante, a recuperar energia e tranquilidade. Tudo de importante e supérfluo acontece na cidade. Há cidades famosas, que todos querem visitar, há cida

CONTADOR DE PARÁBOLAS

O Senhor H abandonou a ideia da morte, por resolução pessoal, convenientemente interiorizada, e sem intervenção nem pedido externo, no dia que compreendeu que o seu pensamento andava a ser intoxicado por essa recorrência mas o culpado era outro, não o sabia ainda. Andava nisto há mais de vinte anos, sempre vestido de azedume, cor de breu petróleo, ou petróleo breu, não interessa a precedência, a mesma tonalidade da cor. Fervilhante com a sua ideia incrustada na cabeça, terá mesmo pensado em cometer suicídio, mas depois ficava mal visto e não queria. Tinha ideias fixas. Outras vezes, quando a crise agudizava, pensou em orquestrar um massacre colectivo, que seria ao mesmo tempo uma vingança apoteótica contra a frieza da sociedade, a desatenção profunda, cuja ligeireza leva as pessoas ao engano, e um espectáculo de pirotecnia: todos condenados à solidão, convencidos que andam acompanhados, só porque o vizinho do lado é estridente. O Senhor H era um pessimista, mas tin

DANDO NOMES AO REAL

Imaginando. O mar. Bonacheiro, aborrascado, ambíguo (palavras boas, e não se usam, contentes de serem ditas, ou escritas, lembradas da poeira que as cobre, fechadas no mofo dos léxicos, na qualidade de sinónimos figurantes, muito raramente a ganharem uma audição, soarem). O céu. Vítreo azul puro, plúmbeo, indiferente. No entanto sempre o mar, pouco a dizer. A terra. Amarelenta paupérrima, amarelenta vivaz. Os verdes aceitam-se todos, e os castanhos, mais sisudos, bem-aventurança serem vistos ainda que sisudos. Terra acobreada, todos os adjectivos e poucos, ou cinzenta, ausente. Uma flor, uma árvore, um animal , habitantes da superfície, sem cores atribuídas, ou engalanados de todas elas. Podem ser sombras, desenhos sem vida, do que já foram, ou o oposto, a jactância, aqui aceite, de se dizerem vivos transbordando vida. Os homens, pálidos ou enrubescidos. Os homens, tão difíceis de catalogar. Os homens, porque se desejam cataloga

Vilhelm Hammershøi: the poetry of silence