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Mensagens

PATAGÓNIA

É o vento. Sibila a sensação incómoda, da deslocação ruidosa do ar ululante quando se ouve o grito. Sem descanso, um grito até ao fim dos dias. Escapa-se a duzentos à hora, pelos interstícios das araucácias, árvores daí. Os romerillos têm flores brancas como as nossas margaridas, tiram a palavra, só se quer olhar para eles. Rareiam animais, Também os homens, gaúchos concentrados em assuntos de dentro. Rematam as conversas com facas, ou é o romantismo a colorir o cenário. Os guanacos têm por antipatia o mesmo carácter, metidos com o avesso, temas pessoais. As orquídeas de magalhães, São esguias e fugidias. Quando se encontram irradiam um branco pristino e raias verdes verdejantes. são altivas porque são orquídeas. Nunca estive no começo do fim do mundo, nunca irei à Patagónia, instantâneos que recolho em albúms, do que a sonho todos os dias.

SABOR DO AMOR

Tão jovem, para deixar escapar o sabor do amor. No espaço agora vazio negoceia a utopia, o aluguer permanente de um quarto no piso da alma. Inventa-se a partir daí uma mentira piedosa: a história do inatingível. Na erosão do tempo, organiza-se a vida,  esquecem-se rostos. E num instante fica tarde, tão perto de ser irremediavelmente tarde, para salvar as memórias. Memórias cada vez mais esbatidas como as cores das letras dos livros, quando expostos às brisas inoportunas . O amor escapou  por não ter avisado que era único. Ela, que não sabia, deixou-o partir. arrependem-se ambos, mas já passou uma vida.

COMO TE CHAMAS?

Eu sou Luis, e tu? Eu Catarina, Homo, com muito orgulho e digo-o. Eu Luis. Olá! António. Desportivo da Benfazeja. Pelo clube a vida. Luis. Como estás? Lara. Toureiros? Testosterona? Feminista de coração.odeio soutiens. O meu nome é fácil: Luis. Doutor Manuel. Pode tratar-me por Doutor Manuel. Luis, estou contente com o meu nome. Diz-se bem, é descomplicado. Deus Nosso Senhor é a minha razão. Acabava com os evangélicos. Cátia. Olá, Luis, como posso tratá-lo? Doutor claro. Mas se preferir pode ser Presidente, Adjunto, Assessor vá! Hei de chegar! Não interessa o nome. Presidente. Desde miúdo na Juventude, tudo pela nação. Bo m dia sou o Luis. Bom dia. Sou o dia,  vamos passá-lo juntos? Outra proposta simples, não seria mais adequada. Queres fazer o favor? Nem pensar! Entremos juntos no dia…

DESCUIDADOS DE DEUS - 1*

Quando mais perto de ser homem, maior é o abismo da minha desilusão. Um salto para uma queda livre no impossível. A verdade que nego e engano, é que nunca poderei ser homem, e o pior dos castigos é o facto de me entender quase-homem. Vejo-me assim, um ser inacabado, a faltar um nada para ser. Não entanto não. Alguns procuramos o disfarce, a trapaça – a ver se passa – mas a imitação é sempre defeituosa, e mesmo que não pareça, por dentro de nós ficou a parte incompleta. Mesmo que seja executado por um profissional – o figurino que nos disfarça de homens - , alguém atento, descobre facilmente as imperfeições. E somos apontados por todos, alvos de riso, do desprezo. A pior coisa que se pode fazer a um homem é querer ser como ele. Desconfia de imediato, a seguir fica inseguro e defende o território, que diz ser seu, que considera ser toda a extensão de terra que um dia cartografou. Eu queria tanto ser homem. Apesar dos seus momentos –  são muitos – de tristeza serem p

A BAILARINA

A mulher mais bela, de uma beleza que remete o resto da criação ao tédio, dança sevilhanas em El Rocio. Há trinta anos. Na sua altivez andaluza, executa rituais ancestrais, num dançar que faz tremer os alicerces do mundo. Os tacões deixam vincos na terra. Rosto lindíssimo e tão sério, ângulos num corpo que se não fosse o corpo mais sensual, seria de uma grande violência. Depois de uma visão assim, inapropriada, consome-se a ingenuidade, no tempo do tempo da dança. A partir daí, o vazio. Esfuma-se a andaluza no nada, fica a utopia de uma andaluza, e o quotidiano toma conta das ocorrências da vida, Leva a procissão inteira ao colo até ao dia do seu óbito mas ela queria ir por seu próprio pé. Memórias de uma fotografia que se encontra por acaso, na trasladação de memórias do passado.

MARIONETAS NO VERÃO

Fios, presos por finos fios. Marionetas. Numa aldeia perto de si. Não fosse haver um manipulador de marionetas, eram inoperantes, disfuncionais, tíbios, a pedirem para nem se lembrarem das suas actuações, que só actuam por obrigação. O mestre, sim, um exímio manipulador de fantoches, ventríloquo e tudo. Mas não era isso que o povo pedia nos terreiros forrados a cinzas. O povo queria ver um espectáculo vivo, bom. Depois de uma vida a assistir a teatros de marionetas, o povo pedia actores de carne e osso. O povo sonhava – imprudência não desculpável - que um dia o teatro seria real. Não aconteceu, ainda não foram as festas deste ano. Não há verba suficiente para o povo ter um espectáculo verdadeiro, só para pagar a actuação dos artistas pimba, os que estão sempre disponíveis. Este junho nunca mais acaba e eles já nem vão às festas, estão na praia, com os olhos cheios de água*, os mestres das marionetas . Quem são os fantoches afinal? *obrigado Mónica!

LER

Não preenchendo os vazios, porque não sabendo como dizê- lo,  lemos, Para distrair a tristeza.