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Mensagens

VIOLENTAMENTE

Desejo que me beijes violentamente Porque eu não sei como chegar a ti E beijar-te violentamente. O que queria, Mas não arrisco. Não ia resistir a num movimento brusco de rejeição, E perder numa oportunidade, As poupanças de esperança acumuladas no meu depósito Do futuro. Quem vou amar depois de ti? Que nunca oficializámos, nem o faremos, Já que este desvario de paixão antecipada, Nunca passou dos limites da minha cabeça, Hoje ao almoço, Quando entre o panado de frango, Olhava para ti na mesa em frente E imaginava que te iria beijar violentamente, E tu perdida.

CLARO - ESCURO

Do movimento constante das coisas, o sol ganha proeminência sobre a lua, com uma pontualidade irrepreensível. Consequentemente e sendo um desafio dos dois, ela não concorda, e para que não se fique por aí, faz o mesmo proeminentemente.  A ndam há eternidades nisto, numa dialéctica pessoal. Dia e noite e dia.... O que é bom: haver quem continue a cumprir diligentemente a função que lhe cumpre. São um exemplo animador.

SINOS

Os sinos da minha aldeia, Uma ideia que tenho da minha aldeia, Badalam as horas certas E anunciam acontecimentos e factos. Não tendo religiões O que seria eu sem os sinos da minha aldeia. É um conforto serem sonantes, Justificam- me. Conto com eles, cumprindo-se como sinos que dão horas, acredito na existência de uma aldeia minha. Mas não.

ONTEM - FOLHETIM 6

O Avô gostava muito da sua prima e tanto a apreciava, que a tinha acolhido no seio da  família, oferecendo-lhe um tecto-casa seguro para se proteger das intempéries de uma vida madrasta que a levou a ser mãe solteira de um filho, o Augustinho, rapaz franzino, pouco animado. Ele era visita frequente do pátio. Vinha com a avó, não a dele que não tinha, a do António, mulher de um coração tão generoso que conseguia convencer-se a si mesma que o mundo era de uma tonalidade perto do cor-de-rosa inofensivo. Enquanto isto - estas visitas aos netos, dois -  o avô e a prima estariam não se sabe onde, cada um por si ou juntos, entretidos com alguma coisa ou não. Gostavam-se muito, ele era um filantropo, ela uma agradecida. O Augustinho como era de alguma forma fraco, dava-se ao aproveitamento e as crianças do prédio utilizavam-no impiedosamente. Instrumentalizavam-no se é correcto dizer-se – que ele se sentia isso muitas vezes é correctíssimo. Era o tempo, aquele, em que as

MISTÉRIO

Um olhar atento apanha a intenção, Nenhuma, Senão um esperguiçado, lânguido, longo, Olhar de vedeta de cinema. Mudo. Não o olhar. A pose enfática, ou suavizada, É igual. Pode não haver intenção, Uma declaração não declarada de intenção. De não ser nenhuma. E todavia, denuncia uma vontade qualquer, De vedeta de cinema, A olhar para o lado, De um olhar atento que a olha.
Arfar, ofegante arfar do peito. Em instantes dá-se a suspensão da respiração. A acontecer na fina superfície da pele epiderme, Que reveste o corpo, Com todas as histórias individuais que traz consigo. Anelando uma mão desconhecida, que quer conhecer, Dedos finos, compridos, sensíveis. Que a toquem, Com a maior das ternuras do desejo. Deseja dedos competentes e sinceros, Só aflorando, leve, levemente, A pele que agora já os espera com ardor. Na ideia de usufruir toda a qualidade de carícias: Decentes, indecentes e obscenas. Tudo isto se imagina, Num peito a arfar.

O MAR E UM HOMEM

A tranquilidade de o mar tranquilo que  também faz esses momentos de descanso de si mesmo, de não ser sempre revoltoso, em cascatas de ondas feias. Assim tranquiliza o homem que o olha. Espelham-se um no outro, e embora não se  sabendo, o mar pensa precisamente nisso: na  acalmia que lhe transmite o homem tranquilo  quando olha sem exigências para si.