Avançar para o conteúdo principal

Mensagens

CARTA A SCHAUBLE

U m olhar carregado de ódio. Não é culpa nossa. A vida distribui as suas partidas por cada um, acima de tudo devemos ser decentes com os outros. Não temos culpa. Na fragilidade com que se nasce, vir a ser forte é um desfecho sublime. E muito bem pensado. Só se pode ser “forte” para ajudar os outros a crescerem, enquanto nós também crescemos.  Ser forte porque se ganha o arbítrio de pisar as “beatas”, é debilidade. Ser irredutível nas ideias é debilidade. Centrados sobre as nossas existências diferentes, quiçá difíceis, perdemos a lucidez do real. Ou seja, só o vemos à distância das nossas sombras. Escapa-nos a perspectiva. Às voltas e às noras com as obsessões, vemos desfocado. Amesquinhamo-nos. As decisões que decretamos ao mundo envinagram-se. Decisões dessas não são das boas, são chicotadas masoquistas. Nessa loucura chegamos mesmo ao ponto de deixar de ver, e ouvir, temos as conversas dos outros por débeis e fracamente inteligentes, inebriados pelo re

“A troika pecou contra a dignidade”.

São  deuses, e olham para os infernos com o enfado natural dos deuses, porque não há seres superiores aos deuses que julguem as suas criações imperfeitas. E assim se peca sem castigo, cometendo todas as obscenidades sem que os mortais reajam. Ainda ontem  açanhavam os olhos aos seus pequeninos estendedores de tapetes - dizendo-lhes que já estavam a relaxar nas reformas.  Estes tremelicando para conseguirem o “ quadro de honra ” logo foram pressurosos ao balcão mais próximo de uma qualquer Goldman Sachs , depositar por adiantado uma fatia do espúrio  para pagamento de juros ( são os juros que eles querem pagos a horas,  que a divida propriamente dita, nenhum país paga: é um conceito virtual).  Hoje, porque lhes convêm para enviar os gregos para as trevas, ou pô-los obedientes e bem adestrados e validarem as suas teorias da ditadura do dinheiro e dos interesses próprios, voltamos a ser o exemplo. E o ansioso que estamos por ser exemplo do retorno a níveis de pobreza

MORRESTE--ME, LAMPEDUSA

Há nomes de locais na cartografia do mundo e na dos sonhos, que irrompem sem convite, a seu prazer, imiscuindo-se no pensamento quotidiano dos seres. Uns existem na realidade, outros, imaginários, existem igualmente mas a níveis mais subtis. “Mediterrâneo” existe, é um mar acolhedor porque fechado e de boas águas, reconhecido como matriz, a “grande Mãe”, deste ciclo civilizacional. “Lampedusa”, é uma ilha no meio deste mar, não sei se bela ou não, imagino-a de muitas belezas, influenciado pelas leituras de romances com qualidade. Como os livros – mais ainda os de histórias improváveis bem escritas – são as vitaminas dos sonhos, é perfeitamente natural que as suas palavras influenciem muito a opinião dos leitores, porque eles não mentem e quem lê acredita. Tenho em grande consideração o Mediterrâneo e Lampedusa. Naveguei suavemente no primeiro, a ilha ainda não a descobri, mas gostava um dia. Ficaria muito confortável – para não desarmar a ingenuidade que ganhei n

ÍRIS

Desarmava as pessoas porque não sabiam como reagir.  Aproximava-se demasiado delas, dos limites de conforto, em que cada um se protege das intempéries dos outros. Era esta sua atitude por princípio distraída, mas provocadora, que punha os visados em atitude defensiva. Mas ele não era, não podia ser, de outra forma. Era a sua forma, impressão, pegada como agora se diz. Furtivamente e já estava do lado de cá da intimidade de cada um, o que se tornava desagradável e por isso mesmo inconveniente, dando por vezes azo ao afastamento brusco e repulsa. Só apanhava os incautos ou os muito distraídos, quem o conhecia melhor – que melhor ninguém o conhecia – já não lhe permitia essas aproximações. Vivia num mundo só seu por isso mesmo, por ser um intrometido. A sua táctica, se se pode chamar táctica a um princípio ingénuo de abordagem, era simples: plantava-se de olhos sobre os olhos dos outros, a cair-lhes literalmente na cara. Não desarmava, nem sequer um pestanejo,

Anda, caminha

Anda, vem comigo. Puxa brilho nas botas, e dá um passo. Um chega para nos pormos a caminho. Se aceitares esta proposta indecente, mas delicíosa, somos dois. Sendo dois convencemos muito melhor o terceiro, está em inferioridade numérica e vai vencer a inércia de espectador, vai querer juntar-se à maioria. Sendo três somos muitos, toda a gente nos vai acompanhar. Sem nos darmos conta, somos quatro e cinco e infinitos números e quantidades, uma multidão a caminhar, senhora de todos os pontos cardeais, com prazer e fidalguia. Não tenhas nem a menor nem a maior das dúvidas, os nossos passos fazem tremer o chão, e as cabeças. Não importa que as passadas sejam síncronas – pelo contrário, não queremos dessas – basta serem passadas na companhia de amigos, para se dar um belo de um passeio. E com certeza que chegaremos lá, ao fim de um dia bem caminhado e decisões tomadas no acordo de termos todos trocado impressões enquanto andávamos. Cansados, despedimo-nos bem dispostos e v

LIBERDADE, IGUALDADE, FRATERNIDADE, E UM QUEIJO!

Liberdade de expressão ou libertinagem na expressão. A primeira é uma atitude. Pede inteligência, gosta do caleidoscópio das ideias, respira diálogo. A segunda alimenta-se da crença desviada de que “liberdade, Igualdade, Fraternidade” são direitos adquiridos e universais, livre-trânsito para a violação do sensível. Um vale-tudo garantido, e só com uma via: a dos direitos adquiridos e sem deveres, porque um homem “livre, igual e fraterno” não se verga perante ninguém, muito menos às amarras do dever. O libertino é um ser voraz no consumo de si próprio e do que o rodeia: é um eucalipto. O problema está em que o homem que é um ser embrulhado por muitas camadas, apesar das invenções magníficas que consegue realizar, evoluiu pouco nos convívios sociais desde o dia em que deixou a caverna e começou a construir cidades. É um egocêntrico c om laivos de compaixão. Poder pensar tudo não é fazer tudo. Este é o síndrome do filho único (nem todos): está tudo a meus pés e

CARTA

Ninguém que se considere escreve cartas. É difícil, consomem tempo, a usufruir-se noutras correrias que não levam a nada. Escrever cartas é piegas. No intervalo da chegada de uma frase ao apeadeiro do seu fabricador e até ao apito de partida para a próxima, sentados na estação do entretanto, não resta outra ocupação ao operário senão pensar. Cansa, assusta e compromete. É uma actividade de risco mal remunerada. Quando se escreve, não se pode apagar, o que é um embaraço. Tenta-se histericamente ocultar o que se escreveu não se querendo escrever, mas fica sempre a marca probatória para os mais atentos – e há sempre uns chatos de uns atentos mortos por apanhar uma fraqueza nossa. Assim que escrita, a palavra esparrama-se no papel a apanhar sóis e bronzeados, e valendo pelo que diz, nas conjugações com a anterior e com a que se põe a seguir, marimba-se para as consequências de ter sido parida. Deixou de ser um problema seu. Escrever é uma matéria muito trabalhosa porque