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Mensagens

A mostrar mensagens de setembro, 2019

CRIANÇAS DÃO-SE BEM COM POLÍTICA

Na irrequieta preocupação sobre amanhã, o mundo de uns anda absorto noutras coisas. As crianças gritam, mal se ouvem, sobrepõe-se o ruído dos carros e as buzinas. Na inquietação que perturba, andam muitos ocupados fingindo que nada está a acontecer. Crianças berram, daqui a nada estão de castigo. No desassossego, políticos dizem que foram os primeiros a falar nisso, Fazem chinfrim. As crianças, desordenadamente mas todas, começam a tocar indiferenciadamente as campainhas das portas. Pedem atenção. Alguém chama policias para policiarem todas as campainhas das portas. Faltam. Algumas continuam a tocar sem interrupção. Politicos ajudados por votantes adormecidos por vales de benefícios materiais míseros, dizem que o mundo amanhã vai ser muito melhor. Asseguram a sua protecção, fazendo figas debaixo da mesa. Crianças que não veem nem ouvem as notícias dos jornais, mijam todas ao mesmo tempo e cagam as fraldas e as cuecas. Os sistemas educativos não têm res

PALAVRAS CRUZADAS

Ela emana de si uma concentração total no que está a fazer. Pode-se mesmo dizer que vive para isso (não em estado permanente de concentração que ninguém aguenta). E quando se vive para uma coisa, dá-se o melhor, já que se canaliza a força da vontade para a realização desse amor. Ela é um bom exemplo.   O que faz é muito sério, chama ao silêncio, pratica uma actividade cerebral, não abre mão de ruídos nefastos, um burburinho que seja. Só que ela, esta senhora, tratemo-la como se manda, vive uma contradição: se por um lado tem de dar o seu melhor, no que faz e gosta, por outro, para o fazer, necessita da companhia dos outros. Só que o que faz e a companhia parecem ser incompatíveis. Ela não consegue estar sozinha, mesmo passando como passa dias corridos inteiros, rodeada de pessoas, não falando com ninguém e ninguém com ela, e ainda que falassem, ela mantém-se tecnicamente em estado de solidão.   Neste momento apresenta-se o problema, que é nosso, porque somos nós que

A PROCISSÃO

E lá vai ela, rua fora, a procissão da padroeira, todos os anos no mesmo dia. Ela que zela no escuro e na luz, pelo seu sítio, em sitio dos homens. Protege-os e aos animais e às bestas, de maus olhados, e outros agouros e infortúnios. Vai na frente, a abrir caminho à solenidade, a cavalgadura branca, garba, de respeito. Seguem os escuteiros, mulheres e homens de amanhã, na sua fase de formação caritativa. Depois, a banda, a filarmónica, marchando, mais ou menos compassada (um que outro troca o passo), tocando na   melhor afinação, música solene, carrancuda. Fazendo calor, que faz e aperta, uns levam o nó da gravata à banda, aberto o botão do colarinho. Desculpa-se, É o dia da santa, a penitência não é das menores, e estão ali para abrilhantar a festa, merecendo portanto, louvor e carinho. Logo curtos de distância, com os músicos, vem sua santíssima, na trindade seu representante, o pároco da localidade. Paramentado, de banho tomado, escanhoado, ca

UM VERBO QUE NÃO EXISTE

A passarada passareia Sem se dar conta que o faz. Nós, tuteamo-nos, Tomando conta de intimidades iniciais. Ambos, podem atingir a estratosfera e mais além. com os níveis sensoriais no máximo, Realiza-se o a alquimia da materialização, Do amor. Como uma pele nova, Que se cola às peles nossas. Se os indícios forem fortes, Não há quem os desdenhe, bichos e gente. Explicada fica a passarada de passarear E a nossa, de nos tratarmos por tu, Decisão consensual quando elevamos os níveis, Aos patamares do amor. A seguir, Não se diz nada mais de relevante. Compusemos um bonitinho de poesia, Em estilo livre, E voltamos ao silêncio.

INDO EU, INDO EU...

De cá, para lá, é mais escuro. Ele não olha, portanto não vê. Não olha pela janela do carro a altíssima velocidade. Vai absorto, urdindo discursos, pouco mais faz do que discursos e nem isso: cola as partes que lhe enviam os assessores. A sua eficácia realiza-se num bom discurso, e nada mais, esgota-se nisso a função. São duzentos e cinquenta quilómetros de estrada boa, nelas fez-se fartura. No que escasseia, sempre a somar e a escassear mais e mais, são as árvores. Clareiras cada vez maiores, de ramos incinerados, a lembrar cruzes de cemitério. No chão amarelento, a secura, o anúncio de desertos. Poucos verdes restam, e dos novos, são eucaliptos. Não se aprende, não porque não se queira. Tudo é propositado, ou desleixo absoluto. Do mar à fronteira é um instante, a pagar portagens privadas, a pagar para se ir visitar o quase nada, ou então (a poder-se), a fugir de nós próprios: entrincheirados na apatia, nos embalos dos demagogos, fazedores de ricos discursos gongóricos,