Avançar para o conteúdo principal

Mensagens

A mostrar mensagens de julho, 2019

O SECRETÁRIO DE ESTADO

O secretário dormia, e até parece que ressonava um pouco, numa cadeira, espreguiçadeira. Numa pequena mesa ao seu lado, um copo com uma bebida que pode ser uma caipirinha. Porque não? O secretário passa “pelas brasas” e tem para além dos pés descalços, na areia, um livro que dá a sensação ser um romance, pousado, inerte, por abrir, no seu regaço adormecido. Enquanto ist o, num mundo que não é o seu, a classe que ele tutela, faz greve, já vez muitas, anda a fazer tantas. Ele não ouve esses ruídos incómodos, está na praia. As pequenas ondas do mar, apesar de pequenas e bonaçosas por ser verão, emitem ao darem o seu último suspiro na linha da areia, um ruido constante, muito relaxante, belo mesmo, e impede de se ouvir seja o que for. Muito menos se for um longínquo e meramente incomodativo esgar de gente imprópria, com interesses corporativos. Ah, as férias! Ausentamo-nos de tudo, carregamos baterias, a vida é madrasta o ano inteiro. O secretário balança agora

O SITIO DE MELIDES

Melides é frique, que bom, já há militantemente poucos. O hippie chique e a esquerda caviar são dois braços da mesma vibe mas não emitem aquele frisson de uma liberdade quase anárquica. Melides traça a linha da fronteira do litoral alentejano, a sul. A norte, veraneiam os intrinsecamente betos, os que juntam o tratamento blasé na forma como se dirigem às pessoas na pessoa do “você”, aos chinelos Vuitton, com os pés ligeiramente encardidos, às imensas pulseiras e colares sei lá, e que passam férias, em suas cottage de colmo e mirras, na Herdade das Herdades, a que já foi a mais do que tudo, que agora se desvanece em talhões cada vez mais pequenos, ainda assim caríssimos. Melides é frique mas vai deixar de o ser. Não é uma aldeia nem particularmente bonita, nem particularmente feia, nem tem (ainda) restaurantes particularmente dignos de estrelato. Mas tem restaurantes estrambóticos, inesperados, dados a excentricidades decorativas. Em vez de uma estátua de um ilustre co

OS ARES

Apanhava ar. No ângulo que fazia a esquina do murete que delimitava a casa, antiga, ainda com telhado de colmo, num barraco onde mal cabia ele, ali estava, velho, sentado num cadeirão de madeira, onde se percebia existir uma almofada, igualmente velha, que lhe ampara as costas. Diz-se apanhar o ar, porque é o que ele faz. Não está ali para ver ninguém – poucos, muito pouco se passa –, as vistas, nenhumas em especial. Está para arejar, isso mesmo, sair de casa, onde uma pessoa se pode encerrar, ir-se encafuando, distrair-se de si e do mundo, e nunca mais sair, encarquilhando lenta e inexoravelmente os movimentos, as vontades, o corpo, envelhecendo o espirito e despedindo-se da alma. Aquele cubículo, onde jamais caberia deitado, só mesmo sentado, tem uma porta, que está aberta, e ele, ocupando todo o espaço do espaço exíguo desse remendo de esquina de uma casa, é visto por este transeunte ocasional, visto pela metade (só se lhe vê a parte direita do corpo que areja, a out