Regresso ao local que é um jardim público, onde
uma mulher lia livros no meio dia dos dias.
Digo lia porque não a vejo a ler sentada no
beiral que delimita o ponto norte do jardim. Esse facto desequilibrou a minha
tranquilidade e o prazer que tenho em
frequentar o jardim.
Nesta ausência, supõe-se tudo: desistiu de ler;
cansou-se do beiral e de se sentar nele; foi despedida e está no fundo do
desemprego; está de baixa por depressão provocada pela desmotivação de ser funcionária
pública; entregou a alma ao criador apesar de não ser idosa, mas a morte não se
anuncia.
A imaginação de uma pessoa normalmente
imaginativa, consome mais tempo do que o total do tempo consumido nas tarefas
do real na duração de um dia. É um encadeamento de pensamentos fantasiosos a
seguir a pensamentos fantasiosos.
Pessoas como eu vivem no sonho e não se dão
conta.
A mulher que lia livros, conferia a identidade a
este jardim. Era a sua assinatura, mesmo para a maioria dos utilizadores e
passantes que não sabiam da sua existência, porque não olham para nada.
O restolhar das folhas das árvores, os trinados
da passarada, ler palavras de um livro – melhor ainda poesias – fazem a
conjugação perfeita e harmoniosa deste local, no meio da cidade agressiva.
Talvez lhe tenha acontecido algum dos contratempos
anteriormente descritos, ou talvez tenha simplesmente decidido mergulhar em
grande estilo no livro que anda a ler, sendo absorvida para um mundo novo e
paralelo, o derradeiro sonho de um leitor.
Especula-se que alguns leitores, os mais
persistentes, atingiram essa experiência transcendental. Mas como na morte, - tema muito mais documentado
– ninguém voltou para relatar a veracidade e pormenor, do que seja uma imersão total num livro.
O que no meio disto tudo me faz mesmo falta,
para compor a harmonia, é da mulher que lia livros no jardim onde recupero do
meio do dia para o meio do dia que me falta passar. Fico órfão para a tarde que está a vir.
Tirando esse facto ao qual não posso fugir, vem-me
à ideia que já tentei inúmeras vezes mergulhar num livro, absorvendo-me nele. Venho
sempre à superfície, e olho para o céu, invariavelmente azul ou cinzento ou
misto, e como sou de uma teimosia que até a mim me admira, volto a tentar a
ginástica do mergulho. Por uma ou outra razão que desconheço ainda não consegui
o mergulho perfeito, mas não faltam bons livros para exercitar essa acrobacia.
Se a leitora não voltar à superfície deste
jardim, no dia em que eu conseguir o mergulho, levo comigo o chilreio dos
pássaros e os odores das flores e das plantas e vamos juntos visitá-la,
algures, onde estiver ela, a viver uma aventura totalmente inverosímil como se
fosse a coisa mais verdadeira do mundo.
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