Deixa-se um grande amor, numa curva apertada da
topografia da vida,
Um grande
amor ou a sua possibilidade. À porta de um bar, numa paragem de carro eléctrico,
num esconso da cabeça, num equívoco pessoal, num desencontro de minutos, numa
ilusão que se desilude.
Ancorado num
cais imaginário.
Encontramos,
perdemos, voltamos a encontrar, a perder. O mundo, impassivo, continua a rodar
sem misericórdia, indiferente ao amor.
Nunca
encontramos quem queremos, perdemos quem não sabemos que queremos, nada sabemos.
Tertuliano emigrou
para um barco, fez-se marinheiro, para viver o amor do mar, e o seu outro amor ficou
amarrado a um cais, uma estátua, é essa a verdade factual desta história.
Duas
mulheres, uma de carne e osso e sentimento, e outra só de abstração, competindo
ambas para serem as escolhidas. Uma chama-se Maria, a outra chama-se Mar.
Antes de se
transformar em mulher estátua, no momento imediatamente a seguir a este relato,
Maria a Varina, vestida de preto num luto sem mortes a anunciar essa morte: a
do amor que parte. Posou a canastra no chão, usou-se de poucas palavras, as
suficientes, e de um tímido acenar de adeus no dia da partida. Não exteriorizou
o choro, as lágrimas pingaram para dentro, humedeceram-lhe as emoções naquele
momento triste.
Despediram-se
no cais.
Diz Maria:
- Não olhámos para as estrelas juntos, quando te pedi que me mostrasses
metáforas de amor.
- Agora partes, e faltou-nos isso,
tão importante.
- Não podia.
- E porquê?
- Só te as posso mostrar quando as
souber reconhecer, a todas, dominar os seus sentidos, os seus dizeres.
- Bastava-me um céu estrelado.
- Nunca basta isso, devemos querer
mais.
- Talvez.
- E para as conhecer, e as
cartografar na memória para depois as contar, tenho primeiro de correr os mares
do mundo.
- Seria suficiente uma metáfora
bela.
- Pode-se levar uma vida para
conseguir isso. Só vendo o céu estrelado em todas as suas latitudes poderei
captar para ti esse presente único.
- Não vais só por isso.
- Então?
- Vais porque tens uma escolha de
amor para fazer.
- Encantaste-te por essa imensidão
voluptuosa e traiçoeira e instalou-se em ti a dúvida.
- Não. O meu amor és tu, mas só
percorrendo a vastidão dos oceanos, solitário, encostado à amurada do navio,
absorvendo o silêncio desse infinito líquido posso capturar as metáforas.
- Serão os mil tesouros que te
trarei de presente.
- E nessas metáforas estarão
contidos todos os significados do amor.
- Se é assim, esse chamamento tem
de se cumprir.
- Vai, embriaga-te
de todos os mares, e depois dos deslumbramentos, dos perigos e da ressaca,
volta para mim, meu Amor.
Despediram-se
assim. Maria a varina, fez-se mulher estátua, na ponta do cais que penetra o
mar, olhos pedra, ali, na companhia ruidosa das gaivotas e dos albatrozes, pousadas
nela, petrificada.
Mas nesta
história, o poder transformador de uma metáfora, pode ser o milagre da criação,
pelo que não se sabe das surpresas que o futuro reserva a cada um.
Tudo é
possível acontecer, regresse um dia Tertuliano.
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