Avançar para o conteúdo principal

Mensagens

A mostrar mensagens de junho, 2018

TRADIÇÃO E CULTURA - FESTAS DE VERÃO

Nas ruas, grossas traves de madeira fazendo de muros, protegem as bestas das pessoas. Separam mirones dos “artistas”. Dá-se início à representação de um espectáculo antigo, um rito, uma tradição de cultura. Largam-se as bestas para gáudio do povo. São touros bravos. Esperam-se cornadas boas, piruetas e volteios, e sangue, o suficiente, o indispensável para colorir, e justificar, a tragicomédia que se representa todos anos. Festas religiosas estas, com procissão e velas e muita fé. As pessoas gostam de serem cilindradas! São às centenas os homens a correr à frente dos touros, uns a tentar escapar, outros a afrontar, a maioria só a ver. De ver se enche o olho e leva-se experiência para contar entre os amigos, inventando-se talvez alguma coragem, que não existiu, a não ser que seja coragem ter uma garrafa de cerveja na mão e estar encostado ao tal do muro, a ver quiçá já com os olhos enublados, a passagem dos cortejos. A largada vai terá o seu auge na praça de touros, de por

HISTÓRIA DE AMOR EM EL ROCIO

Podia ser agora, neste instante em que o digo. A definição cristalina da imagem, irrepreensível, focada, captação de todos os detalhes constituintes, pixels. O mais perfeitamente alguma vez feito e acabado rosto, jamais visto, uma só vez, visto. Paixão fulminante e efémera, tudo é. Cinco, dez minutos. Importa a intenção e qualidade. Tão bela, que a considerei a imagem canónica da beleza, sem recensão posterior. Passaram anos, esqueceu-se o rosto, depois de muitos. Veio à tona, borras do momento. À tona do magma amniótico onde borbulham restos dos pensamentos, fotogramas de vida, ideias preconcebidas, ideias concebidas em continuação. Essa mulher, que nunca me disse o nome próprio, porque nunca olhou para mim, Eu para ela intensamente. A saudade que me deu a revisitação, será do tempo - uma eternidade – que nos amamos, só a amando eu a ela, ou o sabor amargo que nessa altura, na Romaria de El Rocio, erámos imortais. Agora faz-nos fal

DIA FELIZ

A manhã fresca, aquecerá. O rio-mar. Salgado, mar bom. Quase silêncio. Gaivota, agudo som de uma gaivota, é silêncio, a voar. Uma mulher, um homem, um. Dançam imóveis, movendo-se. Encenação das mãos Mimam o ar. Dia feliz.

UMA CRIANÇA A CHORAR E UM TEXTO COM PALAVRINHAS INVENTADAS E FOFAS

Ver uma criança a chorar, totalmente frágil, desprotegida, agarrada a uma grade de metal, fechada num aquário todo ele em metal, remete toda e qualquer actualidade para coisa mínima, comezinha. Ficam poucochinhas as demagogias das políticas de saúde, as trapalhices gaguejantes na educação, a vergonha alheia de mal se vislumbrarem ministros que se escondem nos belos reposteiros damasco e outros, a ver se passam invisíveis das suas pequeninas-enormes imcompatibilidadezinhas. Até desapetece tirar selfies com o homem das selfies, quase tão ubíquo quanto o divino. Os futebóis são pustulazinhas infeciosas. Os fogos, oxalá sejam poucos e vá chovendo de vez em quando. Perante o choro de uma criança o mundo fica redundante e feio, e os monstros que nos governam ou são desleixados, ou usam botas com afiadas biqueiras de metal. Batem agora o pé e tudo estremece. Voltamos à era dos grandes medos e as televisões a darem enfadonhas e intermináveis horas de antena a imbe

LEMBRANÇAS

Cabidela de galinha do campo, língua de vitela estufada, sardinhas com salada de pimentos verdes. O problema está no escolher, apetece tudo. Vou para a língua, se estiver bem feita, é uma delícia. Hoje, um branco fresquinho. - Estava sentado, ali, naquela mesa do canto. - Frequento esta casa há muitos anos -o Senhor António, e o filho que se fez um homem e agora toma conta do negócio. Conhecem-me bem. - Vi-o e fiquei a pensar que nos conhecíamos. A sua cara não me é estranha. - A cabidela é uma especialidade, come-se bem aqui, e não é caro. Não me saía da cabeça que o conhecia. - Ah! Sim! - Daqui. Do bairr0 - Pois, como está o senhor? - Estávamos melhor há trinta anos, mas enfim. Cá estamos. - E isso é o que interessa. Continuarmos vivos. - Às vezes já nem sei. - Nem eu. É só medicamentos, e idas pelas receitas e análises disto e daquilo. O tempo que se perde! As artroses. - José Maria, muito prazer. - Joaquim Zimbro. - Desculpe, “Zimbr

SANTINHOS

Saem os santos à rua, e os homens, menos santos. Saem juntos sem diferenças, aperaltados e dançarinos e muito animados, fazem a folia. Cheiram os manjericos com quadras que rimam à força, lançam piropos às moças que não os repreendem por assédios, os santos não, que são santos. Está aberta a melhor época do ano. Uns descem a avenida, em coreografias simples que treinaram o ano todo. Levam madrinhas e padrinhos, uma excitação. É a sua noite de glória e o deleite da população expectante, a torcer pelo seu bairro. Ainda vai haver muita alegria, e muito choro. Os senhores de preto que agora estão disfarçados de cor, sentados na bancada das pessoas importantes, fingem que riem e batem palmas, não vendo a hora de saírem. Odeiam o cheiro da sardinha, mas disfarçam pelos votos. Uns, menos santos e mais homens, andam tresmalhados nos becos e nas vielas, onde mal conseguem andar milhares de pessoas e de gente, um mar imenso, petiscando sardinha, dando na febra, bebendo sangria b

PINTAR É ESCREVER COM OS OLHOS

RUA ANCHIETA

Um homem que vende livros na rua, como se vendesse flores: vende-os delicadamente, porque são flores - os livros - e as flores oferecem-se, são um sinal de apreço, ou de amor. Os livros, são tão ricos de cor e fragâncias como as flores, talvez com uma vantagem sobre estas: mal abertos e lidos, mesmo com as folhas gastas e amarelas do tempo, rejuvenescem instantaneamente, quando os leem olhos ávidos. São símbolos perenes, da beleza, do assombro, precisamente como as flores. O homem vende livros na Rua  Anchieta, aos sábados, e há clientes que os levam para casa, passeando como flausinos pela rua Garrett abaixo, como se levassem, que levam, um bouquet exuberante de flores primaveris. Os transeuntes olham para eles, e pensam nos seus íntimos, da sorte que estes homens têm de serem oferecidos de belas flores. Alguns, não olham porque nunca as ofereceram, desvalorizam. Outros, tantos, andam desinteressados tirando fotografias sem realmente saberem onde estão. Lera