Avançar para o conteúdo principal

DICIONÁRIO PRÁTICO DO ELEITOR



Estimado e paciente leitor,

Apresenta-se perante vós um manual resumido e sintetizado, que pretende ser de utilidade para o Eleitor confundido.
O objectivo deste dicionário é ajudar a compreender alguns termos “técnicos” que os políticos utilizam e que nem sempre – dada a descontextualização permanente com que eles os usam para nos baralhar – o cidadão comum entende.
A escrita deste Dicionário é fácil, esclarecedora e completamente imparcial.
Se sentir o impulso de lexicógrafo a irromper das entranhas, são bem-vindos comentários e até novas “entradas” (desde que respeituosas e esclarecedoras).
Usufrua, passe aos amigos e aos que odeia e, sobretudo, se tiver nas suas relações de intimidade, amigos políticos no activo, faça o favor de lhes dar a ler este dicionário.
Bem haja! E vote Bem!


ELEITOR:
Cidadão esperançado que gostava de ser útil mas não sabe ao que vai.

CARTÃO DE ELEITOR:
O segundo cartão que se perde logo a seguir ao boletim de vacinas.

VOTANTE:
Reformado, velho, inválido e os bombeiros, que já que estão ali também vão votar.

VOTO:
Investimento num produto tóxico de alto risco, por convencimento do seu gestor de conta (o político), sem remuneração garantida.

BOLETIM DE VOTO:
Folha A4 tipo menú de restaurante, onde onde se colocam cruzes, de preferência só uma.
Serve como contracto a tempo incerto, sem as claúsulas impressas, nem sequer em letra pequena.

URNA:
Última morada do cidadão enquanto fenecido ou caixa onde deposita em papel as derradeiras ilusões enquanto vivo.

MESA DE VOTO:
Secretária ocupada habitualmente por um professor frustrado que serve nos dias das eleições para umas senhoras que foram arranjar o cabelo para a ocasião, fazerem lindos origami com os boletins de voto.



C.N.E. (COMISSÃO NACIONAL DE ELEIÇÕES):
Grupo de técnicos superiores da Direcção Geral de Recursos Hidrográficos requisitados pelo Ministério da Administração interna para o callcenter das queixas dos eleitores, por escassez de recursos humanos qualificados.

DEPUTADO:
Homem desinteressante, escolhido como porta-voz de uma região, mas que tem todos os amigos e conhecidos a viverem numa região longínqua à que ele se candidatou.


ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA:
Ponto de encontro dos deputados antes de irem para as suas empresas ganhar a vida. Voltam à hora do almoço porque se come muito bem e em conta.

PRESIDENTE DA ASSEMBLEIA:
Pessoa que se julga importante, sem importância nenhuma, que tem que ser muito bom a cronometrar os tempos das conversas ubíquas dos deputados. Serve também para mandar evacuar as galerias da Assembleia.

CANDIDATO A PRIMEIRO-MINISTRO:
Indivíduo sem cadastro que é o único a acreditar na sua inocência. E a mãe dele também.

LEGISLATURA:
Período de quatro anos e às vezes uns meses mais, que se divide da seguinte forma:
·       Nos primeiros seis meses são todos simpáticos.
·       Nos segundos seis meses começam todos os dias a dizer que afinal a coisa está mais preta do que a encontraram.
·       Nos dois anos e meio seguintes, navegam por palpite e fartam-se de fazer asneira.
·       Nos últimos seis meses, aprovam todos os diplomas sobre todos os assuntos que se possa imaginar, e dedicam os últimos dois a inaugurarem edifícios e distribuir dinheiro para os agricultores e pescadores não trabalharem.

COLIGAÇÃO:
União irrevogável de indivíduos que se odeiam, com a finalidade de aguardarem pacientemente a primeira oportunidade para tomarem o lugar do parceiro.


PARTIDO:
Designação dúbia para conjunto de pessoas sem talento. Designação de espaço fechado, claustrofóbico, onde conluem e intrigam indivíduos cinzentos. Agremiação com fins lucrativos.

PROPAGANDA:
Máquina montada por associação recreativa que organiza viagens à Lapónia, com visita obrigatória à residência oficial do Pai Natal, que nesse dia não está lá porque não existe.
É também o discurso mais sério dos candidatos antes do dia das eleições. No dia a seguir trocam essa ferramenta pela Demagogia.

DEMAGOGIA:
Uma licenciatura que se pode fazer nos partidos (não tem numerus clausus). Na ciência da demagogia, as palavras têm todas um sentido diferente. Não há ainda nenhum dicionário da demagogia, pelo que são desconhecidos o sentido e o valor das palavras dos políticos.


INDECISO:
Cidadão sábio mas preguiçoso,que não sabe em que partido votar nem se há-de ir às urnas ou ficar em casa a preparar-se para as comemorações do 5 de Outubro.


ABSTENÇÃO:
Diz-se do cidadão distraído que se esqueceu da data das eleições.Não confundir com abstinência, mas em ambos os casos o corpo é que paga.


VOTO EM BRANCO:
Azar dos  azares. Esqueceu-se da caneta em casa e o eleitor antes dele roubou a que estava no local de voto.

VOTO NULO:
Quando o indeciso tem um ataque de nervos perante o boletim de voto. Também: cidadão indignado por não ver os símbolos do seu clube no boletim de voto e que num acesso de cólera, gatafunha o boletim todo.

BOICOTE:
Uma maçada para os reformados, velhos, inválidos e bombeiros. Nestas ocasiões é usual os boletins de voto verem-se transformados em canudos para as castanhas. É igualmente um aborrecimento para o C.N.E. porque o call center não tem no seu guião respostas para este tipo de incidente anti-democrático.

CAMPANHA ELEITORAL:
Oportunidade rara de os políticos sairem à rua – apesar de acompanhados pelos emplastros – e terem uma noção, se bem que vaga, do país real.
Época de alegria e confraternização onde eles se abraçam e mimam, ainda convencidos que vão ganhar.
Espaço de tempo em que se fazem mais promessas que todas as promessas feitas num ano pelos penitentes que frequentam a capelinha dos milagres em Fátima.

CHEFES DE CAMPANHA:
Em condições normais é escolhido o elemento na estrutura do partido ou coligação que não tem a mais pequena ideia do que seja comunicação e estratégia. Se perder, nunca mais o deixam assistir a sessões internas. Se acertar tem a maior das possibilidades de vir a ser um populista poderoso.
Não é infrequente ao fim de uns anos na ribalta, afastarem-se do país e terem grande sucesso como facilitadores de negócios.


CARTAZES:
Competição onde ganha o pior. As agências pelam-se para competir nesse clube restricto do bom gosto.


COMITIVA:
Ajuntamento de emplastros completamente desconhecidos que acompanham os líderes nas feiras e mercados. Têm por missão distribuir bandeirinhas e chapelinhos a pessoas que andam distraídas a comprar cenouras e grelos.


PEIXEIRAS:
Elemento fundamental de uma campanha eleitoral. Há candidatos que se especializam nesta área. Uma beijoca a saber a peixe pode decidir eleições.

MAIORIA:
Uma utopia (sem mais entradas neste dicionário).

DERROTA:
Uma mentira. Nunca nenhum partido ou coligação foi derrotado em eleições democráticas e livres. Senão, vejam-se os discursos de todos os candidatos após o anúncio dos resultados eleitorais. Os discursos também podem ser reflexo dos bufetes ricos em líquidos e sólidos servidos nas sedes de campanha na grande e longa noite da contagem de votos.

TEMPO DE ANTENA:
Espaço televisivo-radiofónico dedicado à apresentação de anúncios de produtos de venda online,a preços de saldo.

MODERADOR:
Jornalista que não conseguiu negociar a folga no dia do debate e que teve que decorar imensas perguntas decisivas que não vão ter resposta.


DEBATE:
Diálogo de surdos que desconhecem a linguagem gestual. O único que se enerva é o jornalista que não queria estar lá nesse dia.


SONDAGENS:
Método cabalístico pseudo-científico de utilidade duvidosa mas muito bem pago.
Usam-se frequentemente os números de telefones fixos, para conseguir uma amostragem jeitosa e representativa dos entrevistados.


PROGRAMAS ELEITORAIS:
Cadernos densos, habitualmente escritos pelos melhores alunos finalistas de cursos de escrita criativa. Normalmente a sua carreira fica-se por esta primeira edição/publicação.

COMENTADORES:
Amigos dos candidatos, convidados para fingirem que não estão ali para falar dos amigos. Conseguem ganhar dinheiro com isso, o que é uma coisa espantosa!
Geralmente dão bons candidatos às Presidenciais.

DIA DE REFLEXÃO:
Período de 24 horas que antecede o dia das eleições. Os candidatos ficam em regime de clausura e reflexão - os que são capazes desse esforço.
Não se sabe ainda se é nesse dia que o Presidente vai falar, ele tem andado tão calado ultimamente!
O povo segue a sua vida normal, menos os velhos, reformados, inválidos e bombeiros, que se preparam de véspera para irem votar.



NOITE DE ELEIÇÕES:
Único programa alternativo na televisão, quando se acabou o Viagra, não há farmácia de serviço e a patroa está com dores de cabeça.
Um minuto depois de começar já acabou. Depois disso segue-se um longo e interminável desfile de opinadores, cada um com considerações mais profundas que as dos parceiros.

O DIA SEGUINTE:
Vai ser lindo! O presidente, os politólogos, os constitucionalistas, os comentadores, a ralé em geral, todos a darem palpites sobre a constituição e formação do novo governo.
Alguns rapazes começam a limpar as gavetas dos gabinetes e apagar os discos rígidos dos computadores (ou talves não).
Os velhos, os reformados e os inválidos apesar de terem votado em massa vão continuar a ter a sua dose de abandono, desprezo e malfeitorias.

Os bombeiros voltam aos quartéis na esperança vã de no próximo verão terem melhores meios para combater os incêndios.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

AI DO QUE GOSTEI E DO QUE GOSTO

  Gostei da alcofa pousada na marquise onde entrava o sol com abundância e a minha avó costurava. Gostei do colo da minha avó.   Gostei que me afagasse os lençóis ao deitar.   Gostei de alguns tons escuros, os das noites, outros não.   Gostei do silêncio da noite, gostei em geral dos silêncios. Gostei de ouvir num radio a pilhas músicas que me fizeram sonhar sonhos bons. Gostei do cão Tôto, de caça, onde cavalguei no pátio, a imaginar-me cavaleiro. Gostei daquela casa onde só me lembro do parapeito da janela, onde presumo que aos fins de dia eu e a minha avó víamos as pessoas a passar na rua e nós, abeirados do beiral as cumprimentávamos. Gostei de odores que já não identifico. Gostei da tia Rosa, mulher ainda mais pobre que nós a quem dávamos de comer e ela, em troca, me dava todo o seu amor porque nunca teve ninguém seu. Era eu. Gostei do carro de bombeiros que o meu avô me ofereceu. Tinha uma sirene. Era único. Gostei do primeiro livro de quadradinhos, contava

BERLINDES

Eram berlindes e guelas, os primeiros mais pequenos, os outros, mais vistosos, abafavam os berlindes. Eram de vidro cheios de cor, muitas, com padrões que davam ao girar a sensação de movimento encantatório. Compravam-se nas papelarias de bairro, pequenas superfícies habitualmente familiares que vendiam de tudo de uma forma absolutamente eficaz e personalizada. Estabelecimentos, não superfícies, designações de um presente deselegante, um nome que soa estranho e é frio. Os proprietários e os empregados sabiam os nossos nomes. Podíamos levar e pagar depois, numa contabilidade honesta que se fazia no livro dos devedores, preenchido a lápis de carvão. Este calhamaço era uma história do negócio, onde se desfiavam listas de nomes e produtos e datas. Raramente era usado para lembrar os atrasos: ninguém queria estragar relações de boa vizinhança, num tempo em que a honra e a honestidade eram valores não transacionáveis. Uns buracos no chão com uma distância entre si, medi

COPOS E GAJAS BOAS, DE PREFERÊNCIA

De manhã se começa o dia, dizia a minha querida avó, mulher avisada, que vestia de preto, tinha um buço pronunciado e gostava da pinga às escondidas. Como quem sai aos seus, aos seus sai, já enfiei dois medronhos, para dar energia a enfrentar o dia que dá trabalho, e até chegar ao fim, é uma peregrinação quase religiosa ao botequim do chico. Pelo menos tenho fé em ir lá, é uma espécie de purificação do meu interior. Agora só bebo sininhos, estou em dieta alcoólica, só pequenas quantidades (de cada vez claro). Não se pode dizer que saia caro. Cada sininho são 30 cêntimos. Um copo de três, cinquenta cêntimos. Apesar de alguém desavisado poder estar em desacordo (está longe, não vê, está mal informado), sou uma pessoa poupada: só bebo um de cada vez. Se descontar de todos os que bebo, as ofertas, os brindes às efemérides de cada parceiro que frequenta o botequim, e os que o Chico se esquece de cobrar, gasto realmente muito pouco. Sou portanto no Sul, um dos homens mai

CAVALO-MARINHO

  Na distância do tempo que leva a vida a passar, as imagens mais antigas confundem-se, fundem-se mesmo, é difícil apurar certezas. Vejo-me a olhar fascinado e miúdo, a primeira vez, um cavalo-marinho. Ressequido, mas conservado, pousado na palma da minha mão. Se na altura conhecesse uma palavra mais pomposa do que renda, diria filigrana. Aconteceu quando estava de visita a uma casa liliputiana, de tios meus. A meu ver uma casa cheia de misteriosos e pequenos tesouros, que ia descobrindo na curiosidade de criança, abrindo gavetas e mexendo em prateleiras. Uma casa que tinha um olho de vidro da vista direita da minha tia, pousado no fundo de um copo cheio de água na mesa de cabeceira, a olhar para mim com um olhar espantado, esgazeado, e eu a olhar para ele, a princípio receoso,  depois a querer saber o que havia por trás de um olho, já que os vemos sempre colocados nas órbitras dos usufrutuários e não sabemos o que está por trás. Este olho de vidro é a prova óbvia que a minha tia ficou

DO AMOR INCONDICIONAL - 1-DO PODER

Nesta pluralidade que é a natureza, nesta obra dos acasos ou de causas superiores insondáveis, há seres cuja beleza cativa o mundo. A beleza é o argumento mais forte do poder. Dança à sua volta, danças do ventre, sensuais, húmidas, viciantes. Sabe rodeá-lo e tecer a sua teia invisível mas inquebrável, ata-o de mãos e pés, imobiliza, inteiramente hipnotizado. Perante a força irracional que irrompe de uma obra sinfónica, para pôr um exemplo de beleza superior, o homem baixa as defesas, entrega a sua sorte no embalo da música, extasiando-se é levado por essa torrente de emoções. Os efeitos dessa mistura explosiva, do casamento da beleza com o poder leva os seres a atitudes que não se alcança imaginar, coisas fora da lógica. Práticas do bem e o mal, sem noção, do bem e do mal, coisa subjectiva que leva por vezes a equilíbrios no fio da navalha. O aparecimento fugaz de um tigre listrado, meio visto, meio escondido no restolho dos arbustos, hipnotiza quem o vê e olha,